ENTREVISTA

Presidente do Sindag fala sobre a aviação agrícola


Thiago Magalhaes Silva, advogado, piloto e empresário da aviação agrícola. Residente em Orlândia/SP, onde possui 2 empresas: Tangará Aerocenter, oficina de manutenção aeronáutica e Aeroagrícola Chapadão Ltda, empresa de prestação de serviços aeroagrícolas.
Atualmente ocupa a Presidência do Sindicato Nacional da Aviação Agrícola (Sindag), preside também o Comitê Executivo de Aviação Agrícola do Mercosul – que abrange as associações aeroagrícolas do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile e de outros países do continente. Ocupa também a Vice-Presidência do Instituto Brasileiro de Aviação Agrícola (Ibravag).

1. Na agricultura, os aviões são utilizados para a aplicação de fertilizantes, defensivos e sementes, além de combater incêndios em campos e florestas. Quais as vantagens deste tipo de aplicação? Quais as culturas que mais utilizam esta forma de aplicação? E destas quais tem maior potencial de expansão?

As vantagens da aviação agrícola estão diretamente ligadas à sua velocidade, precisão e tecnologia embarcada, além da alta capacitação de praticamente todo o pessoal envolvido nas operações. Pela velocidade, o avião consegue aproveitar melhor a janela de aplicação – termina a operação antes de mudarem os parâmetros ideias de temperatura, umidade relativa do ar e velocidade do vento, essenciais para se evitar a deriva. Quando se precisa combater pragas em grandes áreas, o avião é a ferramenta com melhores condições de completar a missão antes que o problema se espalhe. Além do fato de evitar que se tenha que mudar dosagens ou até produtos no meio da operação, por exemplo, por não ter completado o tratamento de todos os talhões antes que a praga mudasse de estágio de seu desenvolvimento (caso de lagartas.
Some-se a isso o fato de, por não tocar na lavoura, o avião não tem o risco de transportar de patógenos de uma parte a outra da lavoura. Sem falar que elimina as perdas por amassamento das plantas (o que, por si só, normalmente já compensa financeiramente a opção pela ferramenta aérea) e não tem amassamento no solo. As aeronaves também têm melhor capacidade de atuar na emergência nas lavouras: não só pelo quesito velocidade, mas também pela capacidade de entrar em ação logo após um período chuvoso, onde muitas vezes o terreno encharcado impossibilita o trânsito de máquinas na plantação.
Na formação do pessoal, além do piloto especialmente formado para esse tipo de missão (é preciso ser piloto comercial com pelo menos 370 horas de voo para se entrar em um curso de piloto agrícola), cada empresa aeroagrícola precisa ter um engenheiro agrônomo próprio na coordenação das operações e, em cada operação em campo, um técnico agrícola com especialização em operações aéreas.
Na tecnologia embarcada, podemos destacar o sistema DGPS (que é um GPS mais preciso e rápido do que o equipamento utilizado em automóveis e atua praticamente como um computador de bordo no avião). Além de indicar exatamente cada linha de aplicação na lavouras e o ponto de abertura e fechamento do sistema de pulverização – inclusive em zonas de exclusão dentro da lavoura, como lagoas e pontos de mata nativa, ele também pode (conectado ao fluxômetro) controlar a dosagem conforme a velocidade do avião e até proporcionar a aplicação de dosagens variáveis em cada ponto da lavoura. Além disso, o DGPS registra toda a operação em um arquivo inviolável e, dentro dos avanços da agricultura 4.0, o serviço também já pode ser acompanhado em tempo real tanto na base da empresa aérea quanto pelo contratante do serviço, além de gerar uma gama variável de informações para gestão da operação.
Isso mais os avanços em barras, bicos e atomizadores, além do próprio fluxômetro, aviões com capacidade para diversas extensões de propriedade colocam o avião sempre na vanguarda da tecnologia de aplicação.
Sobre as lavouras atendidas pela aviação agrícola, a ferramenta está presente principalmente nas culturas de soja, cana-de-açúcar, milho, arroz, algodão e trigo. Mas atua também na produção de frutas (principalmente a banana e cítricos), café, florestas comerciais e até no plantio de pastagens, entre outras culturas. Algumas culturas já são bastante dependentes da aviação, como o arroz irrigado e a cana-de-açúcar. Mas a ferramenta ainda tem bastante espaço para crescer na produção de soja, milho e algodão, além de culturas menores. Ainda mais tendo em vista que, inclusive por questões ambientais, o foco atualmente é aumentar a produção sem avançar a fronteira agrícola

2. Atualmente há uma busca constante por novas tecnologias de aplicação na agricultura. Como a aviação agrícola tem se reinventado perante a isso?

Os próprios avanços no DGPS, citadas acima, são um exemplo disso. O equipamento cada vez gerencia um número maior de informações e compartilha isso com os clientes, que também têm procurado cada vez mais se aprimorar com ferramentas digitais de gestão com as quais o sistema embarcado consegue “conversar”. Isso acaba sendo também um fator de segurança: com a aplicação cada vez mais automatizada, o piloto precisa se preocupar apenas com o voo.
Paralelo a isso, as próprias empresas aeroagrícolas estão aprimorando sua gestão, focando não só no ganho em produtividade, mas também em aprimoramento da segurança operacional e ambiental. Isso é feito tanto com novas ferramentas digitais para controle de manutenção, equipamentos e coordenação das operações em campo quanto na própria sintonia fina das técnicas de voo, equipamentos e aeronaves para cada tipo de operação – com verdadeiras clínicas de aviação agrícola, onde sensores em solo captam com precisão desde a concentração de gotas que atingem as plantas em cada ponto da faixa até o risco de deriva. Com isso, a regulagem é praticamente personalizada, otimizando o uso dos produtos, aumentando a eficiência e protegendo o meio ambiente.
Em resumo, a aviação agrícola já caminha há algum tempo junto com a agricultura 4.0 e vice-versa.

3. Para a SINDAG, a introdução de drones na agricultura atuará de maneira complementar ou poderão representar uma ameaça à aviação agrícola?

Percebemos os drones como uma ferramenta com potencial muito grande para aumento da capacidade operacional e até diversificação das operações das próprias empresas aeroagrícolas. Tanto que em 2017 o Sindag se tornou a primeira entidade aeroagrícola no mundo a ter uma empresa de drones em seu quadro de associadas.
No trato de lavouras, apesar da baixa capacidade de carga, os aparelhos remotos cabem muito bem, por exemplo, nas ações de arremates em pulverizações feitas em áreas maiores, mas com alguns pontos ambientalmente sensíveis ou com obstáculos para o uso de aviões.
Sem falar na geração de imagens multiespectrais, que é por enquanto o grande nicho dos drones na agricultura. Tanto para gerar diagnósticos indicando pontos onde precisa haver uma intervenção pontual com nutrientes ou para eliminar uma praga, quando para outros serviços, como contagem plantas sadias para uma estimativa precisa de safra – importante, por exemplo, para seguradoras ou quem opera em mercado futuro.
Aliás, o uso de drones em lavouras deve ganhar regulamentação este ano: o Sindag, juntamente com representantes do setor de drones, fiscais federais e outros profissionais vem participando desde a primeira metade de 2019 da construção de uma regulamentação do Ministério da Agricultura para a ferramenta. A expectativa é de que o texto da Instrução Normativa dos drones entre em consulta pública ainda em janeiro e, se tudo correr bem, a norma deve ser publicada em março.

4. A parada da única refinaria no Brasil que produz de combustível para abastecer aviões agrícolas, impactou principalmente as aeronaves de pulverização agrícola. Esse fator tem levado a uma migração na frota de aviões para o abastecimento com etanol? Essa mudança poderá impactar no preço da aplicação?

Por enquanto, não tem gerado variação nos preços de serviços, embora o fato da Petrobras ainda estar tendo que importar gasolina de aviação (avgas) ainda gere uma certa apreensão no setor – devido à falhas que no início e na metade do ano deixaram o mercado desabastecido. Isso tendo com vista o fato de que não se sabe ao certo quando e se a Refinaria Presidente Bernardes, em Cubatão voltará a operar a linha de avgas.
A apreensão, nesse caso, é maior no Sul do País, principalmente no Rio Grande do Sul, onde o preço do etanol não é competitivo com o do avgas (o Estado não tem usinas de etanol e depende do transporte do Sudeste. Ali um eventual desabastecimento agora deixaria a segunda maior frota do País praticamente toda parada, já que ainda não é vantagem converter aeronaves para o etanol.
Já em São Paulo e outros Estados, é comum os aviões a pistão serem convertidos para o etanol – antes mais pela questão de economia, mas agora também para não ser dependente do avgas. Além disso, outro fator que tira um pouco o peso do risco de desabastecimento no setor é o crescimento da frota turboélice – aviões maiores, mais potentes e que utilizam como combustível o querosene de aviação.
Atualmente, das cerca de 2,2 mil aeronaves agrícolas no País, 16,6% são turboélices. Percentual era de apenas 7,3% em 2011. Além disso, das 79 aeronaves incorporadas à frota aeroagrícola nacional em 2018, 57 são turboélices.

5. Quais as perspectivas para a aplicação aeroagrícola em 2020?

Temos grandes expectativas para 2020.Do ponto de vista institucional, o Sindag tem trabalhado forte nos últimos anos no aprimoramento das empresas do setor – tanto na formação de gestores quando na aproximação com as esferas governamentais e políticas, além da comunicação com a sociedade. Sem falar na geração de conhecimento, com pesquisas em parceria com a Embrapa e outras instituições e nos avanços tecnológicos. Ações cujos frutos estamos colhendo agora, com a consolidação de uma reputação de seriedade inclusive junto a instituições normalmente bastante críticas sobre o agronegócio, como a imprensa e o Ministério Público.
Considerando que a tendência de otimizar os processos de gestão e cortar custos, ganhando em escala e focando na atividade principal também estão cada vez mais presentes na rotina dos produtores, a aposta é na terceirização: com um prestador de serviço (aeroagrícola) qualificado e alinhado às tecnologias do produtor, isso dá mais segurança para que quem produz direcione para outras frentes de seu negócio (aprimoramento dos sistemas de gestão, logística, pesquisa ou mercado) os recursos e pessoal que ele teria que imobilizar em equipamentos próprios para o trato de lavouras ou mesmo para semeadura.
Esse quadro deve se reforçar ainda pela tendência de maior rigidez das normas e órgãos reguladores sobre o uso de defensivos, abrangendo agora também as aplicações terrestres (como já se verifica no Rio Grande do Sul, por exemplo). Ponto para a aviação agrícola, que há décadas é a única ferramenta para o trato de lavouras com regulamentação própria e, portanto, com tecnologias e profissionais adaptados a essa rigidez de controle. No fim das contas, outro ônus a menos para produtor.

Equipe Global Crop Protection

Fonte imagem: Imagem de Jan Amiss por Pixabay

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