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MPF põe defensivos agrícolas em xeque

MPF põe defensivos agrícolas em xeque


O Ministério Público Federal (MPF) perdeu as primeiras batalhas para suspender o registro de nove defensivos agrícolas no país, mas não desistiu do combate. Dos dois pedidos de tutela antecipada que fez à Justiça Federal, indeferidos em primeira instância, o órgão já recorreu no caso em que pediu a proibição do ingrediente ativo 2,4-D até que ele seja reanalisado e tende a fazer o mesmo, nos próximos dias, no processo que envolve outros oito produtos.

A ofensiva incomodou as instituições responsáveis pela liberação de agroquímicos no Brasil – Ministério da Agricultura, Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) – e desagradou a empresas do segmento e a agricultores, que temem, além da interrupção das vendas dos alvos das ações, a criação de um ambiente de insegurança jurídica.

O imbróglio fez a Anvisa colocar na pauta da reunião de quarta-feira passada de sua Diretoria Colegiada (Dicol) a discussão sobre os prazos necessários para que as reavaliações solicitadas sejam finalizadas. Inicialmente, o assunto só seria debatido na reunião do dia 17 de maio, mas na semana passada também não saiu do papel.

Segundo a Anvisa, não houve tempo hábil para a discussão e a expectativa é que o tema volte à pauta em reunião amanhã. Em 2008, a agência iniciou a reanálise de 14 agrotóxicos. Nas primeiras seis reavaliações, quatro produtos (triclorfom, endossulfam, cihexatina e metamidofós) foram banidos do país pela elevada toxicidade. São os oito restantes, sobre os quais ainda não há novas conclusões, que estão na mira do MPF.

O órgão protocolou duas ações na Justiça no fim de março. Na primeira, busca obrigar a Anvisa a finalizar a reavaliação dos ingredientes ativos parationa metílica, lactofem, forato, carbofurano, abamectina, tiram, paraquate e glifosato. A suspeita do MPF é que esses produtos trazem danos à saúde humana e ao ambiente. Na segunda, questiona o 2,4-D, um dos componentes do “agente laranja” (desfolhante usado pelos EUA na guerra do Vietnã) e pede a suspensão do registro comercial do ingrediente enquanto a Anvisa não concluir sua reavaliação.

Em 6 de abril, a Justiça indeferiu o pedido de liminar do MPF sobre o 2,4-D, e o órgão recorreu na terça-feira da semana passada. Em 23 de abril, o pedido de liminar para barrar os outros oito princípios ativos também foi rejeitada, mas cabe recurso. E o MPF passará a ter outro líder na disputa. As ações eram encabeçadas pelo procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, mas um recente rearranjo na Procuradoria da República no Distrito Federal colocou o procurador Paulo José Rocha Junior à frente dos casos nas áreas ambiental e de saúde pública.

É grande a expectativa sobre o desfecho dos dois casos, que tendem a ser um divisor de águas para futuras discussões. Se a Justiça continuar a entender que os pedidos do MPF são improcedentes, o debate tende a ser esvaziado.

Mas, se os órgãos que avaliam os defensivos no país forem de fato colocados em xeque, novos questionamentos deverão surgir. Uma fonte do segmento de defensivos que acompanha as discussões diz que o MPF está sendo “pouco ponderado” e “um tanto catastrofista”.

Uma das maiores preocupações do setor produtivo diz respeito à possível proibição do glifosato, agroquímico mais vendido no Brasil, inclusive para aplicação em lavouras de soja. Usado no combate a ervas daninhas, o glifosato, segundo produtores, tem substitutos menos eficazes e mais caros e sua proibição elevaria o custo de produção das culturas que o utilizam.

Segundo o Sindiveg, entidade que representa indústrias de agroquímicos que atuam no país, as restrições propostas pelo MPF atingem 50 empresas e 56 tipos de cultivos. E poderiam impor, conforme estimativa também catastrofista, quedas de 97,5% na renda obtida pelos agricultores com a soja, de 80,6% no caso do algodão, de 42,4% na primeira safra de milho e de 28,3% na safrinha do cereal.

“Apoiamos as reavaliações, mas não o pedido de suspensão dos produtos até que elas sejam concluídas. A proibição teria que resultar da análise dos estudos toxicológicos, e não da pressão do MPF”, afirma Silvia Fagnani, diretora-executiva do Sindiveg.

Para ela, as ações do MPF também podem contribuir para agravar a espera pela aprovação de um defensivo – que hoje chega a levar cinco anos. “Órgãos que já têm uma estrutura bastante enxuta acabam colocando todos os esforços nessa avaliação “forçada””, diz.

O Sindiveg calcula que as empresas do segmento tenham programado investimentos de US$ 350 milhões em pesquisa entre 2013 e 2018 – e que algumas já decidiram esperar que o imbróglio ganhe contornos mais definidos para dar os próximos passos.

“Além de ser um trabalho complexo de análise técnica, as reavaliações também sofreram atrasos por conta de ações judiciais movidas pelos produtores de agrotóxicos que não queriam ver seus produtos passando por uma nova análise”, informou a Anvisa, em nota encaminhada por sua assessoria de imprensa.

Girabis Evangelista, diretor do departamento de fiscalização de insumos agrícolas do Ministério da Agricultura, diz que as reavaliações da Anvisa também estão demorando mais que o previsto porque a agência solicitou nos últimos anos novos dados técnico-científicos sobre os ativos em questão. E que, além deles, há pelo menos outras 30 novas moléculas “na fila”, à espera de avaliação.

Para Evangelista, o momento é de planejamento da nova safra de grãos (2014/15) e, se defensivos já registrados forem suspensos, o tratamento – e, consequentemente, a produtividade – de algumas culturas poderá ser comprometido. “A orientação do ministro [Neri Geller] é que permaneçamos atentos”, afirma.

O fato é que, à exceção do glifosato, os demais ativos que compõem a ação do MPF já foram proibidos na União Europeia, nos EUA ou na China. No caso do 2,4-D, o MPF diz que há pesquisas recentes que associam seu uso a problemas como mutações genéticas, má-formação embrionária e câncer.

A instituição teme que os recentes pedidos de liberação comercial de sementes transgênicas resistentes ao 2,4-D desencadeiem um efeito multiplicador no consumo da substância. Por isso, também solicitou à Justiça que a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) seja proibida de dar aval a esses materiais até um posicionamento definitivo da Anvisa.

No ano em que os transgênicos completam duas décadas de plantio no mundo (a primeira liberação comercial foi de um tomate nos EUA, em maio de 1994), Adriana Brondani, diretora-executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), se diz preocupada com os “ataques à inovação”.

Para ela, muitas acusações persistem por questões ideológicas. “Elas se sustentam em alguns pontos que não são fáceis de explicar à população e cujo objetivo não é o de proteção, mas de defesa de um posicionamento ideológico, contrário à adoção de biotecnologia”. A pesquisadora diz que o 2,4-D “levou a fama” por estar na composição do agente laranja, mas que os efeitos danosos do produto vêm de outra substância: o 2,4,5-T.

Em nota, a CTNBio diz existir um limite residual máximo permitido ao 2,4-D, que até o momento é considerado “seguro”. “A aprovação de sementes resistentes ao 2,4-D poderá representar uma alternativa para o manejo da resistência de plantas daninhas no campo e sua segurança dependerá do respeito aos critérios estabelecidos para a utilização do herbicida pelas autoridades que regulam a utilização de agrotóxicos”, afirmou.

Também em nota, a Dow AgroSciences, que patenteou nos anos 1940 o 2,4-D (hoje genérico) ressalta que o produto é aprovado em cerca de 70 países, como EUA, Argentina e China. “A Organização Mundial da Saúde [OMS] analisou o 2,4-D ao longo das últimas décadas. Em todas as revisões, concluiu que ele é seguro para utilização na agricultura e não há nenhuma evidência de que seu uso esteja associado a problemas à saúde”.

Uma nova faísca foi lançada sobre a discussão na semana passada, quando a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) deu outro passo para aprovar o registro da Enlist, tecnologia desenvolvida pela Dow que criou sementes resistentes à aplicação de três herbicidas – entre os quais o 2,4-D.

A EPA deu prazo de 30 dias para que produtores e outros representantes de sociedade americana se manifestem antes de dar sua decisão final sobre o registro. Conforme a Dow, a Enlist já foi liberada para cultivo no Canadá e para consumo humano e animal em países como Japão, Austrália e México. No Brasil, a múlti está à espera da aprovação de cinco materiais com a tecnologia, três de soja e dois de milho.

Valor Econômico, 07/05/2014

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