Por muitas décadas, fruticultores gaúchos e catarinenses arcam com prejuízos milionários provocados por uma mosca, cuja larva se instala nos frutos e os leva à podridão. Mas uma iniciativa inédita promete trazer mais tranquilidade aos pomares, tornando a vida desses insetos, já curta, também solitária. A partir do mês que vem, pesquisadores da Embrapa começarão a produzir em laboratório machos estéreis da mosca. Milhões deles, que enganarão as fêmeas com ovos inviáveis até a completa extinção da espécie.
A primeira biofábrica da Anastrepha fraterculus, nome científico para a mosca-da-fruta nesta região do Brasil, utilizará a técnica da radiação. As pupas – fase anterior à vida adulta – serão submetidas a exposições em doses que inviabilizarão a reprodução. “A exposição resultará em adultos sexualmente competitivos, mas também estéreis”, diz Adalécio Kovaleski, pesquisador da Embrapa Uva e Vinho.
Com um aporte inicial de quase R$ 1,5 milhão, a estatal pretende construir a fábrica junto à sua unidade em Vacaria, um dos principais polos de fruticultura no Rio Grande do Sul e também área de forte influência da mosca-da-fruta. O projeto prevê um convênio com o Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena), da USP, de onde virá a expertise para as aplicações e dosagens certas de radiação.
“Inicialmente, criaremos as pupas no campus da Cena em Piracicaba [SP], uma vez que já infraestrutura disponível para isso”, afirma o pesquisador. A ideia, diz ele, é começar os experimentos com o reator de Cobalto 60 existente na Cena. Já na biofábrica, a preferência seria por um equipamento de Raio-X. “Até lá, as pupas serão transportadas semanalmente por avião até o Rio Grande do Sul, alocadas em isopor e refrigeradas”.
A mosca-da-fruta é uma das maiores, senão a maior, dor de cabeça do fruticultores do Sul brasileiro. Estimativas da Embrapa apontam para prejuízos anuais da ordem de R$ 30 milhões somente à cultura da maçã, a mais importante da região. Mas pêssegos, goiabas e frutas vermelhas também são comumente afetados pela praga.
O pesquisadores terão de dar velocidade para uma produção gigantesca de insetos. As projeções apontam para a liberação de 1.500 moscas por hectare, por semana. Com 40 mil hectares voltados somente ao cultivo de maçãs, isso representará 500 milhões de machos estéreis a cada semana, soltas no intervalo de novembro a março.
O desafio também envolve mantê-los agressivos na busca pela fêmea. Moscas como essas vivem, em média, dois meses – e copulam uma única vez. “Se o nosso inseto perder a corrida pela fêmea por um inseto nativo, nosso trabalho foi perdido. Ele precisa ganhar a briga pela cópula”, diz Kovaleski.
Paralelamente, a Embrapa também criará na biofábrica gaúcha milhares de vespas, que terão como função se alimentar das larvas das moscas. “Elas serão soltas nos períodos de frutificação em matas nativas, onde não há pulverizações de químicos”, diz o pesquisador.
Segundo ele, o Brasil está atrasado no combate à praga e a soltura deve ocorrer até dezembro ou janeiro, mais tardar. “Há quatro anos escrevo notas técnicas, faço orçamentos e elaboro este projeto. Não temos tempo mais a perder”.
Nesta semana, o Ministério da Agricultura anunciou um montante de R$ 128 milhões até 2018 para prevenir e erradicar pragas que afetam a fruticultura brasileira, no âmbito do programa nacional de combate às moscas-das-frutas. Kovaleski espera que parte desse dinheiro chegue logo ao Sul.
Valor, 11/09/2015