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O papel decisivo das cultivares no controle de doenças da soja

"Sem uma base científica clara e integrada para guiar as decisões, corremos o risco de aumentar a vulnerabilidade das lavouras e enfrentar dificuldades ainda maiores no controle das doenças", destaca Ricardo Balardin, CRO da DigiFarmz.


O controle de doenças na soja tem passado por transformações significativas ao longo das últimas décadas. Desde o surgimento da ferrugem asiática no início dos anos 2000, os desafios enfrentados pelos produtores mudaram de forma expressiva. No início, o problema parecia resolvido com o lançamento de novos fungicidas, mas, a partir de 2007, começaram a surgir os primeiros casos de resistência, resultado das aplicações curativo-erradicantes.

Com isso, uma nova era se iniciou no manejo fitossanitário da soja: a dos fungicidas protetores. Inicialmente aplicados em misturas no tanque e, posteriormente, já formulados junto aos sistêmicos, esses produtos passaram a ser amplamente utilizados. Além disso, novas tecnologias foram introduzidas no mercado, como bioprodutos, ativadores de defesa e fisiológicos, além de enraizadores, todos com o objetivo de melhorar o controle das doenças. Mesmo assim, os desafios permanecem.

“Se nos anos 90 as doenças foliares da soja se resumiam ao oídio e às doenças de final de ciclo, facilmente controladas com uma ou duas aplicações de fungicidas, hoje a realidade é muito mais complexa”, explica Ricardo Balardin, engenheiro agrônomo, PhD e CRO da DigiFarmz.

O que mudou no entendimento das doenças da soja?

Segundo Balardin, a chave para entender essa mudança está na interação entre três fatores fundamentais: hospedeiro, patógeno e ambiente. “Durante muito tempo, o manejo químico foi dominante, e isso fez com que práticas voltadas para o ambiente e para a resistência varietal fossem deixadas de lado”, afirma.

Desde 2007, evidências científicas vêm mostrando que as cultivares de soja desempenham um papel fundamental no posicionamento dos produtos para controle de doenças. Diversos fatores influenciam a eficácia dos fungicidas, como a taxa de absorção da planta, variações metabólicas, mobilidade do produto nos tecidos e a sensibilidade da cultivar aos patógenos, o que impacta diretamente a taxa de progresso das doenças.

Apesar dessas descobertas, a importância da genética varietal no controle de doenças ainda não é totalmente considerada. Na Reunião da Soja de 2016, foi emitida uma nota técnica destacando a relevância das cultivares para a eficácia do manejo químico. No entanto, mesmo com avanços nas pesquisas e experimentos conduzidos anualmente reforçando essa relação, o foco do posicionamento dos fungicidas ainda está predominantemente nos patógenos.

“E esse não é um problema exclusivo do Brasil”, destaca Balardin. No Meio-Oeste dos Estados Unidos, por exemplo, a pulverização de fungicidas na soja não era uma prática comum até recentemente. “Foi a partir de 2017/18 que os produtores começaram a perceber que a rentabilidade da lavoura dependia da combinação entre o uso de fungicidas e o momento correto da aplicação”, explica. Ensaios conduzidos naquela região também demonstraram a influência das cultivares na eficiência dos fungicidas.

Cultivares e o futuro do controle de doenças

As evidências científicas são claras: as cultivares de soja são determinantes para a otimização dos programas de controle químico. No entanto, Balardin alerta para uma tendência preocupante no setor. “Atualmente, há um movimento de redução nos investimentos voltados ao controle químico das doenças, o que pode comprometer ainda mais a eficiência das estratégias de manejo”, observa.

Diante de uma agricultura cada vez mais intensiva, o futuro do controle fitossanitário ainda é incerto. “Sem uma base científica clara e integrada para guiar as decisões, corremos o risco de aumentar a vulnerabilidade das lavouras e enfrentar dificuldades ainda maiores no controle das doenças”, ressalta Balardin.

A solução passa por uma abordagem mais ampla e estratégica, que vá além do uso isolado de fungicidas. A escolha criteriosa das cultivares, aliada a manejos adequados e ao entendimento do impacto dos fatores epidemiológicos, pode ser o diferencial para garantir a produtividade da soja nos próximos anos.

 

Ricardo Balardin – engenheiro agrônomo, PhD e CRO da DigiFarmz.

Fonte da imagem:  Freepik

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