COLUNISTAS
Registro de pesticida, a maior barreira de acesso ao mercado
“O tempo para aprovação dos registros inibe a competição e desestimula investimentos...”
Flavio Hirata, é sócio da AllierBrasil, engenheiro agrônomo pela Esalq/USP, MBA, e especialista em registro de pesticidas.
A AllierBrasil é uma consultoria de registro de produtos, e há mais de 20 anos promove o agro brasileiro através de exposições, palestras, seminários e visitas técnico-comerciais na Índia, na China e no Brasil.
Em novembro, a AllierBrasil está realizando os Fórum AllierBrasil 21 e 22, na China e na Índia, respectivamente, e visitas técnico-comerciais na China.
Há pelo menos 40 anos, o mercado brasileiro de pesticidas tem se desenvolvido acompanhando o crescimento da agricultura, que ocorreu tanto em área plantada, quanto pelo aumento da produtividade. Desde então, o registro de pesticidas tem sido a maior barreira não tarifária para o acesso ao mercado. Essa barreira tem sido o principal motivo para que menos empresas tentem ingressar no mercado, onde poucas empresas detêm mais de 70% de market share.
O acesso ao mercado tem outro elo muito importante, a distribuição. É um mercado dinâmico, sensível a fatores como suprimento, flutuação cambial, preço de compra/venda, prazo de pagamento, crédito etc.
Outrossim, para que o produto chegue, legalmente, ao consumidor, é obrigatório o seu registro. Enquanto isso, os números do mercado ilegal são alarmantes. De acordo com Luciano Stremel Barros, presidente do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social de Fronteiras – Idesf, “o contrabando e descaminho de mercadorias, entre elas os defensivos agrícolas, representa para a indústria e para a arrecadação nacional perdas de aproximadamente R$ 20 bilhões anuais”.
Em 2002, foi regulamentado o registro de produto equivalente através do Decreto nº 4.074, de 4 de janeiro. Esse foi um dos principais marcos para que mais empresas pudessem acessar o mercado.
Veja-se então o histórico das aprovações para obtenção dessa peça-chave para o acesso ao mercado.
Entre 2000 a 2005, o número de registros aprovados alcançava menos de 100 por ano, com uma média de 83 registros por ano.
Aprovações de registros de agrotóxicos entre 2000 e 2005
Tipo de registro | 2000 | 2001 | 2002 | 2003 | 2004 | 2005 |
Produto técnico | 20 | 23 | 13 | 19 | 9 | 23 |
Produto técnico novo | 9 | 11 | 5 | 9 | 6 | 5 |
Produto formulado | 38 | 54 | 23 | 40 | 54 | 48 |
Produto formulado novo | 13 | 14 | 6 | 4 | 11 | 5 |
Outros | 2 | 13 | 6 | 5 | 4 | 8 |
Total | 82 | 115 | 53 | 77 | 84 | 89 |
Fonte: Ministério da Agricultura e Pecuária, adaptado pela AllierBrasil.
À época, poucas empresas no país tiveram a iniciativa de registrar um vasto portfólio de produtos. As pioneiras foram a Consagro, através dos serviços de consultoria da AllierBrasil, e a Volcano.
Em 2006, foram aprovados os primeiros registros de produtos técnicos equivalentes, e, em 2007, 79 registros de produtos formulados equivalentes. Os registros de produtos equivalentes eram avaliados e deferidos em torno de 8 a 18 meses.
Se essas aprovações se davam com rapidez, outros fatores retardavam o processo de registro de forma desproporcional, como o Registro Especial Temporário (RET), obrigatório para importação de amostras e experimentação. A aprovação do RET demandava 12 até 24 meses, que era o mesmo tempo, chegando até o dobro, para uma avaliação/aprovação de um registro.
Outro fator eram os custos laboratoriais, que variavam de US$ 60 mil até US$ 80 mil para produto formulado e produto técnico, respectivamente. Esse montante representa bem mais do que o dobro dos valores cobrados atualmente pelos laboratórios estabelecidos no país.
Já entre 2007 e 2009, foram aprovados 213 registros de Produto Formulado Equivalente (PFE), numa média de 71 registros/ano. Entretanto, entre 2010 e 2016 houve uma queda drástica do número de aprovações, com média de 43 aprovações/ano.
Aprovações de registros de agrotóxicos entre 2006 e 2016
Tipo de registro | 2006 | 2007 | 2008 | 2009 | 2010 | 2011 | 2012 | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 |
Produto técnico | 26 | 2 | 3 | 4 | 2 | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 1 |
Produto técnico novo | 5 | 2 | 6 | 4 | 0 | 1 | 1 | 2 | 5 | 2 | 1 |
Produto técnico equivalente | 7 | 50 | 45 | 28 | 35 | 60 | 64 | 45 | 79 | 46 | 160 |
Produto formulado | 56 | 57 | 57 | 30 | 26 | 32 | 10 | 18 | 16 | 12 | 19 |
Produto formulado novo | 7 | 5 | 5 | 7 | 1 | 1 | 1 | 3 | 7 | 1 | 10 |
Produto formulado equivalente | 0 | 79 | 72 | 62 | 34 | 36 | 75 | 30 | 33 | 47 | 46 |
Outros | 8 | 7 | 3 | 2 | 6 | 16 | 17 | 11 | 8 | 31 | 40 |
Total | 109 | 202 | 191 | 137 | 104 | 146 | 168 | 110 | 148 | 139 | 277 |
Fonte: Ministério da Agricultura e Pecuária, adaptado pela AllierBrasil.
Este quadro se inverteu a partir de 2017, quando o número de aprovações mais que dobraram em relação aos anos anteriores. Foram aprovados 177 produtos técnicos equivalentes e 131 produtos formulados equivalentes em 2017.
Aprovações de registros de agrotóxicos entre 2017 e 2023
Tipo de registro | 2017 | 2018 | 2019 | 2020 | 2021 | 2022 | 2023 |
Produto técnico | 0 | 0 | 1 | 3 | 1 | 0 | 0 |
Produto técnico novo | 5 | 2 | 3 | 5 | 7 | 8 | 11 |
Produto técnico equivalente | 177 | 193 | 268 | 162 | 182 | 271 | 179 |
Produto formulado | 36 | 48 | 36 | 69 | 60 | 34 | 36 |
Produto formulado novo | 9 | 4 | 19 | 10 | 12 | 35 | 24 |
Produto formulado equivalente | 131 | 148 | 104 | 147 | 207 | 168 | 215 |
Outros | 46 | 54 | 43 | 97 | 93 | 136 | 90 |
Total | 404 | 449 | 474 | 493 | 562 | 652 | 555 |
Fonte: Ministério da Agricultura e Pecuária, adaptado pela AllierBrasil.
Vários outros mercados têm características semelhantes ao de agroquímicos, “são mercados dinâmicos, sensíveis a vários fatores como suprimento, flutuação cambial, preço de compra/venda, prazo de pagamento, crédito, relacionamento na cadeia de distribuição”. Mas o mercado de agroquímicos possui um diferencial: o registro de produto. O tempo para aprovação desse registro pode ultrapassar 10 anos, dificultando, ou até impossibilitando, sobremaneira o acesso ao mercado.
Para abreviar o tempo para avaliação dos registros e acessar mais rapidamente o mercado, as empresas estão apelando para ações judiciais contra os órgãos responsáveis pelas avaliações, Anvisa, Ibama e MAPA. Isso é possível porque as leis de agrotóxicos estipulam prazo máximo para conclusão das avaliações. Para produtos tipo formulado equivalente e técnico equivalente, de acordo com a Lei n° 14.785, de 27 de dezembro de 2023, conhecida como a Lei dos Agrotóxicos, o prazo é de até 12 meses.
De acordo com levantamentos realizados pela AllierBrasil, 30,23% das aprovações dos registros de produtos formulados equivalentes em 2023 ocorreram através de ações judiciais, e em 2022, essa participação foi de 35,71%.
O registro de produto não garante sucesso no acesso ao mercado, nem a longevidade da atuação da empresa. Os registros da Consagro e da Volcano foram incorporados por outros players.
Se por um lado a Lei dos Agrotóxicos estabelece prazo de até 12 meses para a conclusão da avaliação de registro, por outro lado define que “Emitido o registro para o agrotóxico… o titular do registro terá até dois anos para iniciar a produção e a comercialização do produto, sob pena de cancelamento do registro concedido”. Ou seja, o registro é aprovado com “prazo de validade”.
É importante frisar da necessidade do máximo de cautela nas avaliações de produtos que serão aplicados nas lavouras, e que os pesticidas proporcionem cada vez menos riscos e impactos ambientais e à saúde humana. Outrossim, o tempo para aprovação dos registros inibe a competição e desestimula investimentos.