ENTREVISTA

Gabriel Moura Mascarin, especialista em microrganismos da Embrapa, fala sobre a produção e o desenvolvimento de produtos biológicos


Gabriel Moura Mascarin é Engenheiro Agrônomo (2006) e Mestre em Entomologia (2009) pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP, Piracicaba-SP). Tem doutorado (2015) na área de Patologia de Insetos e Controle Microbiano pela ESALQ-USP e USDA-Crop BioProtection Research Unit (Peoria, IL, USA). Atualmente, realiza pesquisa na Embrapa Meio Ambiente (Jaguariúna-SP) em biotecnologia microbiana visando ao controle biológico de pragas, plantas daninhas, nematoides fitoparasitas e doenças de plantas com ênfase no desenvolvimento de biopesticidas microbianos. (Fonte: Currículo Lattes)

 

 

  1. Professor, poderia nos contar um pouco sobre a sua trajetória acadêmica e profissional?

Meu nome é Gabriel Moura Mascarin, me formei como engenheiro agrônomo pela Esalq-USP em 2006. Logo na sequência iniciei o mestrado no Departamento de Entomologia e Acarologia desta mesma instituição, que durou de 2006 a 2008. Já no último ano do mestrado, comecei a trabalhar no setor privado, em uma das primeiras empresas a registrar produtos biológicos à base de fungos no Brasil. Em 2010, iniciei o doutorado e, ao mesmo tempo passei no concurso da Embrapa, o que me possibilitou continuar o doutorado pela Esalq e desenvolver o meu projeto na Embrapa com foco no controle biológico de mosca-branca por meio de fungos entomopatogênicos. Além disso, durante o doutorado, pude desenvolver parte do projeto nos EUA (2013-2015), com o objetivo de trazer para o Brasil a tecnologia de fermentação liquida de fungos entomopatogênicos. Essa experiência nos EUA resultou em 2 patentes inéditas em produção massal e formulação de fungos benéficos por meio da técnica fermentação líquida submersa. Desde 2017, faço parte da Embrapa Meio Ambiente, localizada em Jaguariúna/SP, onde mantenho minha linha de pesquisa direcionada ao desenvolvimento de defensivos microbianos para uso na proteção vegetal visando à sustentabilidade dos agroecossistemas. O meu principal foco são os fungos filamentosos e o que fazemos é basicamente desenvolver a nível de bancada os princípios para produção e formulação dos microrganismos e então buscar parceiros da indústria (privada) para que eles validem esse processo no ambiente industrial. Além disso, a Embrapa fornece todo o suporte técnico necessário, inclusive após o lançamento do produto. Vale destacar que a Embrapa não tem poder de emitir laudos, mas ficamos atentos a todos os processos para garantir a qualidade das nossas cepas que são utilizadas pelos parceiros do setor privado. Por fim, recentemente, fiz o pós-doutorado na universidade de Auburn (Auburn University) no Alabama, EUA, onde pude trabalhar com engenharia genética de fungos utilizando a versátil e poderosa ferramenta de edição gênica denominada CRISPR, e a ideia também é implementar essa tecnologia no Brasil. Com ela, será possível melhorar atributos fenotípicos das cepas fúngicas (termotolerância, tempo de prateleira, resistência a UV, eficácia) e até gerar cepas específicas para cada função. Um ponto importante disso é que essa tecnologia é capaz de desenvolver cepas não transgênicas, apenas mutantes editados geneticamente, possibilitando assim o uso na indústria e facilitando a parte regulatória no Brasil.

2. Atualmente, qual é a principal forma de produção dos biológicos no Brasil? E qual é o principal substrato?

Atualmente, o método mais utilizado para produção dos fungos entomopatogênicos é a fermentação sólida estática (substrato sólido) e a principal matéria-prima continua sendo o arroz. Boa parte do arroz que empresas de produtos biológicos utilizam vem da região Sul e os acontecimentos climáticos que têm afetado a região talvez tenham algum impacto na produção dos ativos. Em outras regiões, existe a utilização também de sorgo e milheto, principalmente na produção do gênero Trichoderma. Além disso, algumas empresas têm usado féculas ricas em amido. Nesses casos, a despeito da função nutricional, é possível usar esse substrato como inerte da formulação em pó molhável, o que pode trazer um benefício adicional de manter os metabólitos benéficos produzidos pelos fungos, que também podem ter ação no controle das pragas. Vale ressaltar também que algumas empresas utilizam o processo bifásico (duas fases), o qual combina o processo em meio líquido numa primeira etapa e depois passa para o meio sólido para fins de produção de esporos fúngicos. Esse processo bifásico geralmente resulta em ganho de tempo, rendimento e até de qualidade do produto final.No caso da produção massal de bactérias benéficas, como espécies do gênero Bacillus, é praticamente 100% por meio de fermentação líquida submersa em biorreatores industriais.

3. Por que alguns produtores têm buscado o OnFarm? Há falta de oferta de produtos biológicos no mercado?

Atualmente os produtores têm buscado o OnFarm principalmente para redução de custos. Os produtos manufaturados contêm, entre outras coisas, uma tecnologia de formulação, o que encarece o produto.

Quando falamos da produção industrial das grandes empresas, vemos que hoje o mercado parece estar suprido, com uma oferta suficiente para atender a demanda. Contudo, se considerarmos todo a área possível de tratamento (pastagens, grãos, etc), provavelmente, hoje, a indústria não teria capacidade de atender. Além disso, há muito espaço para crescimento do uso de produtos biológicos em vários setores, como por exemplo em Hortifruti e na Silvicultura.

Um ponto importante disso tudo é que a demanda por arroz para produção dos fungos aumentaria consideravelmente, sendo que nesse cenário a fermentação líquida poderia auxiliar o sistema de produção.

4. Qual é a importância de cepas específicas para escolha de um produto biológico? Por quê?

Cepa é igual a uma semente. Todo o potencial genético está na cepa. É importante ter uma cepa bem selecionada, adequada para o ambiente de aplicação e que tenha ação desejada sobre o alvo. Atualmente há procura por cepas generalistas de fungos entomopatogênicos por apresentarem maior espectro de alvos (hospedeiros) e facilidade para produção massal em substrato sólido. Entretanto, essas cepas precisam ser testadas com bastante critério técnico sobre os alvos pretendidos e considerando a variação de clima e solo presentes nas diferentes regiões do Brasil. É possível fazer uma seleção direcionada e rápida em laboratório, porém é necessário testá-las em diferentes regiões. Um outro ponto que merece atenção se refere à tendência no mercado de usar uma mistura de cepas, pois perceberam que uma só cepa não tem proporcionado o melhor resultado esperado. O uso de mais de uma cepa confere ao produto uma maior plasticidade quanto ao espectro de ação a múltiplos alvos e ação sinérgica entre essas cepas, o que consequentemente melhora a eficiência. Isso tem se tornado cada vez mais comum, o surgimento desses produtos multifuncionais contendo consórcios de microrganismos benéficos às plantas, conferindo proteção contra patógenos e insetos/ácaros, além de promover crescimento vegetal e aliviar estresses abióticos, como estresse hídrico.

5. Se hoje estamos na ‘onda’ de produtos biológicos, qual categoria de produtos você visualiza como a próxima tendência e por quê? (ex: produtos à base de enzimas, elicitores e/ou metabólitos secundários?

Na minha visão, a estratégia de combinar metabólitos com os próprios organismos produtores (fungos e bactérias) tem sido muito estudada e deve entrar no mercado brasileiro nos próximos anos, principalmente com indústrias que já possuem o conhecimento de fermentação líquida. Uma outra tendência, que já citei, são os consórcios microbianos gerando produtos multifuncionais. Além disso, há empresas apostando no uso de peptídeos como elicitores para modular resistência das plantas contra pragas (ex.: insetos, ácaros, patógenos, nematoides), e aplicação de moléculas de dsRNA para silenciamento gênico, via mecanismo de RNA interferente, como ferramenta específica de controle dessas pragas. E, por fim, o melhoramento genético que comentei no início, que vai nos permitir a produção de cepas otimizadas para cada situação, capazes de produzir metabólitos a taxas mais elevadas e com capacidade de ação muito maior do que as cepas atuais.

 

Equipe Global Crop Protection, 23/06/2024

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