ENTREVISTA

Pesquisador Científico do IAC fala sobre o uso e a aplicação de defensivos agrícolas

Pesquisador Científico do IAC fala sobre o uso e a aplicação de defensivos agrícolas


Hamilton H. Ramos

Hamilton Humberto Ramos, Pesquisador Científico do IAC, concedeu uma entrevista ao Global Agrochemicals e falou sobre o uso e a aplicação de defensivos agrícolas no Brasil e no mundo. Hamilton Ramos graduou-se em Agronomia, fez mestrado e doutorado na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp) e, é o responsável pelo programa Aplique Bem, que leva informações sobre a forma correta de utilizar pulverizadores nas propriedades rurais. 

 

Ramos está no IAC há 17 anos e, dedica-se às tecnologias de aplicação de defensivos agrícolas, envolvendo aspectos de segurança e saúde nessa atividade. Agrônomo, ele é uma referência no Brasil sobre o correto uso das tecnologias e os consequentes reflexos na redução de impactos no ambiente, na saúde do trabalhador rural e nos custos de produção agrícola. 

 

1. De acordo com a FAO (Organização Mundial das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), caso as plantações comerciais não fizessem uso de defensivos agrícolas perderiam cerca de 40% de sua produção. Você acredita que o Brasil faz uso intenso de defensivos nas lavouras? De que forma o uso de defensivos pode contribuir para a produção agrícola brasileira?

Essa resposta é relativamente complexa mas vou tentar simplificar. Dentro do Brasil temos diferentes realidades. Cerca de 75% de todo agroquímico consumido no Brasil é empregado nas culturas de soja, milho e algodão. Se juntarmos a isso as culturas de cana, citrus e café, esse número chega a 95%. Todas essas culturas são commodities  e têm um grau de tecnologia envolvido bastante elevado, mesmo porque, devem seguir padrões de qualidade dos países compradores, apesar de um investimento na qualificação dos aplicadores ainda ser necessário. Os outros 5% são consumidos nas demais culturas, onde o nível de tecnologia e informação é menor. Olhando por esse ângulo, não acredito que o Brasil faça uso intensivo de defensivos agrícolas na maior parte de suas lavouras, uma vez que temos um bom nível tecnológico. O que temos é um clima que propicia até 3 safras por ano em uma mesma área e um inverno pouco rigoroso na maior parte do país, que pouco contribui na redução da população de pragas, tornando frequente a aplicação destes produtos no controle de pragas e doenças. No entanto, o uso correto dos defensivos agrícolas é fundamental para o sucesso do agronegócio brasileiro nos moldes atuais, uma vez que eleva a produtividade, como afirmado pela FAO, e reduz o custo de produção.

2. O programa “Aplique Bem” completará dez anos no mercado em 2017. O objetivo principal do programa é a preservação do meio ambiente, proteção do aplicador e redução de custos com a melhor aplicação dos defensivos agrícolas. Quais foram as principais transformações obtidas com o programa no Brasil? Em sua opinião, o produtor aderiu aos ensinamentos e a segurança no campo aumentou?

As principais transformações obtidas com o Aplique Bem foram, sem dúvida, mudanças nos hábitos dos aplicadores que os levaram a aplicar com mais eficácia e segurança. A diferença do Aplique Bem é que os treinamentos foram estudados e estruturados para levar tecnologia, desenvolvida pelo IAC, aos produtores em uma linguagem que eles são capazes de entender. Uma vez entendida a mensagem e os benefícios que uma correta tecnologia de aplicação propiciam eles mudam seu hábitos, pois são eles os principais beneficiários. Pense bem, se é o produtor que paga pelo defensivo e por sua aplicação, quando ele aprende e assimila uma tecnologia que permite produzir com a mesma qualidade e com o custo menor, o primeiro beneficiário do seu uso será ele mesmo, pois produzirá com um custo menor, elevando seus lucros. Por que alguém seria contrário a isso? Caso um programa de treinamento não seja capaz de mudar o hábito dos agricultores, o problema não está nos agricultores mas sim no treinamento que não foi capaz de transmitir a mensagem de uma forma eficiente. No Aplique Bem temos muita preocupação com isso que pode ser comprovada pela preocupação com detalhes como número baixo de pessoas por treinamento, uso de linguagem adequada ao público participante e qualificação técnica dos instrutores. Assim, o produtor aderiu aos ensinamentos e a segurança aumentou, no entanto, por nossa capacidade de ação, atingimos 50.000 pessoas nestes 10 anos, para um público estimado de 2 milhões de trabalhadores a serem treinados. Ainda é muito pouco.

3. Além do Brasil, quais são os outros países que possuem o Programa Aplique Bem? Como o Programa foi recebido fora do Brasil e quais são as principais diferenças que ocorrem no uso de tecnologias de aplicação em outros países?

Hoje o Aplique Bem está em Burkina Faso e Costa do Marfim, na África, no México, na Colômbia e em fase de implantação no Vietnam. O programa, assim como no Brasil, foi muito bem recebido, mas cada país tem suas especificidades. Na África, por exemplo, as propriedades são muito pequenas, pobres e há a predominância de pulverizadores costais na cultura do cacau. O nível de conhecimento dos aplicadores, normalmente na agricultura familiar, é muito baixo e a dificuldade de entendimento de textos é bastante dificultada. Assim, como em alguns lugares do Brasil, os treinamentos foram desenvolvidos com fotos que ilustram os problemas e soluções, o que elevou o nível de entendimento. Em um vídeo feito pela Arysta LifeScience, nossa parceira no Aplique Bem, na África, um dos produtores entrevistados afirmou que após o Aplique Bem estava podendo dar aos filhos os estudos que ele não havia tido, pois com a melhoria da eficácia e o menor tempo empregado na pulverização da lavoura, os filhos estavam podendo estudar. Isso é bastante gratificante.

4. Quais são as principais falhas que ocorrem na aplicação de defensivos? Quais são as recomendações básicas para aplicação correta no campo?

As falhas são as mais diversas e dependem do sistema de aplicação, no entanto, acredito que as mais recorrentes seja seleção inadequada das pontas de pulverização, deficiências na agitação da calda, má regulagem de componentes eletrônicos e o uso do volume aplicado por hectare como padrão de qualidade do uso de pulverizadores. Se há uma recomendação básica a ser feita é a de que os fatores praga, produto, máquina, momento e ambiente interagem na eficácia da aplicação. Não há um mais importante, qualquer um deles que não for considerado ou que for considerado inadequadamente no momento da aplicação será o responsável direto pela falha no controle.

5. No Brasil, você é considerado uma referência sobre o correto uso das tecnologias de aplicação. Sabemos que estas tecnologias estão mais acessíveis, mas muitos produtores ainda não buscam por novos conhecimentos. De que modo você entende que os produtores se atualizam quanto à segurança no uso dos defensivos? De que forma a busca por conhecer e aplicar corretamente os defensivos poderá reduzir o impacto à saúde dos trabalhadores rurais? 

Hoje o nível de informação chegando ao produtor é muito grande, no entanto, a qualidade dessa informação ainda é duvidosa. No Brasil é necessário investir urgentemente na qualificação de agentes multiplicadores para elevar a velocidade com que informações de qualidade chegam ao produtor. Trabalhos realizados pelo Centro de Engenharia e Automação do IAC têm mostrado que reduções de 30 a 70% na necessidade de água e/ou defensivos agrícolas no tratamento fitossanitários de diferentes culturas, de mais de 90% no risco de contaminação do trabalhador e de mais de 80% nos resíduos de defensivos agrícolas em alimentos são possíveis simplesmente trabalhando aspectos básicos da tecnologia de aplicação. Assim, é preciso que essas informações cheguem ao campo. Para tentar começar a suprir esta demanda, o Centro de Engenharia e Automação do IAC lançou em maio, durante a Agrishow em Ribeirão Preto, o projeto da Unidade de Referência em Tecnologia e Segurança na Aplicação de Agrotóxicos, cujo primeiro parceiro é a Andef. A Unidade de Referência terá exatamente o objetivo de montar e realizar, por meio de consultores, treinamentos voltados a agentes multiplicadores como professores universitários, extensionistas, técnicos de revenda, etc, nas mais diversas áreas da tecnologia de aplicação e segurança na aplicação de defensivos agrícolas. O primeiro curso que está sendo estrutura é o de NR 31, que é uma norma de segurança para a área agrícola do Ministério do Trabalho e Emprego, e a primeira turma já está programada para setembro. Espera-se com isso lançar as bases para um sistema de habilitação de aplicadores em todo o Brasil.

 

Sobre o IAC

O Instituto Agronômico (IAC), de Campinas é instituto de pesquisa da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, e tem sua sede no município de Campinas. Foi fundado em 1887 pelo Imperador D. Pedro II, tendo recebido a denominação de Estação Agronômica de Campinas. Em 1892 passou para a administração do Governo do Estado de São Paulo. Sua atuação garante a oferta de alimentos à população e matéria-prima à indústria, cooperando para a segurança alimentar e para a competitividade dos produtos nos mercados interno e externo. 

Equipe Global Agrochemicals, 15/08/2016

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