MERCADO
Com oferta pela Syngenta, Monsanto volta a apostar alto nos pesticidas
Com oferta pela Syngenta, Monsanto volta a apostar alto nos pesticidas
A oferta de US$ 45 bilhões que a Monsanto fez por sua rival suíça Syngenta AG demonstra a importância crescente dos pesticidas agrícolas no mercado mundial, apesar dos esforços dos Estados Unidos e outros países para reduzir o uso desses químicos.
A oferta de aquisição – que o conselho de administração da Syngenta recusou – seria a maior fusão já realizada no setor do agronegócio, segundo a firma de dados Dealogic, e faria da empresa combinada a maior fornecedora mundial de sementes e produtos de proteção à lavoura. A Syngenta, a maior vendedora de pesticidas do mundo, afirmou que a oferta subvaloriza a companhia e que a Monsanto subestima os riscos que as empresas enfrentariam para obter a aprovação dos reguladores da concorrência.
A Monsanto, que é sediada em St. Louis, no Estado americano do Missouri, sinalizou que continua interessada no negócio ao afirmar, na sexta-feira, que sua oferta proporciona “um prêmio muito atraente” para os acionistas da Syngenta e poderia satisfazer os reguladores.
Alguns analistas chamaram a investida da Monsanto de oportunista, já que a cotação das ações da Syngenta está em baixa e a receita da empresa vem sofrendo com a valorização do dólar e a queda acentuada nos preços das commodities agrícolas, que reprime os gastos dos produtores com sementes e pesticidas. Cerca de 60% da receita da Syngenta vêm da América Latina e Europa, regiões cujas moedas recuaram em relação ao dólar.
Por outro lado, a Syngenta gerou 75% de sua receita no ano passado, de US$ 15 bilhões, com fungicidas, herbicidas e outros produtos de proteção de cultivos. Para a Monsanto, a aquisição da firma significaria um retorno repentino ao negócio de químicos, depois de 20 anos de investimentos pesados em pesquisas de sementes biotecnológicas. Cerca de 65% dos US$ 16 bilhões que a Monsanto faturou em 2014 vieram das vendas de sementes e do licenciamento da genética de plantas para concorrentes.
A fusão das duas companhias criaria um titã do agronegócio, fornecedor de sementes transgênicas de soja, milho e algodão, do herbicida Roundup e de serviços de coleta de dados para ampliar a produtividade agrícola. As empresas – cujas ações subiram após o anúncio da oferta da Monsanto, na sexta-feira – terminaram o dia com um valor de mercado combinado de US$ 96,6 bilhões. Juntas, elas detêm 30% do mercado mundial de pesticidas – que no ano passado gerou receitas de US$ 57 bilhões, de acordo com estimativas da indústria e de dados financeiros das empresas – e perto de 45% do setor de sementes, segundo a BMO Capital Markets.
Analistas especulam que a Monsanto poderia tentar mudar sua sede fiscal para Basileia, na Suíça, onde a Syngenta é sediada – uma operação chamada de inversão fiscal e que tem atraído a vigilância dos reguladores. A alíquota de imposto da Monsanto nos EUA é de 29%, enquanto a Syngenta paga 15% na Suíça, segundo a BMO. Uma porta-voz da Monsanto não quis comentar.
A abordagem da Monsanto ocorre em meio a desafios crescentes para o setor de sementes. O maior negócio da companhia é vender sementes de soja, milho e outros cultivos com DNA modificado para aumentar a resistência a pragas ou herbicidas. Desenvolver novas versões dessas sementes pode levar até dez anos e custar dezenas de milhões de dólares. Além disso, o crescimento desse mercado tem sido lento: as vendas subiram 4,7% em 2014, comparado a 8,7% em 2013 e a uma média de 21,3% nos cinco anos anteriores, segundo a firma de pesquisa Phillips McDougall Ltd.
São vários os desafios que as sementes transgênicas enfrentam. Muitos países impõem restrições ao seu uso, devido ao receio de que possam causar danos ao meio ambiente ou à saúde. Nos EUA, alguns consumidores estão evitando alimentos com ingredientes transgênicos e exigindo que eles sejam identificados nas embalagens. As vendas de produtos não transgênicos no varejo americano saltaram 15% em 2014, para US$ 9,6 bilhões, segundo a Nielsen NV. Os EUA são o maior produtor de transgênicos do mundo, com 73,1 milhões de hectares, seguido do Brasil, com 42,2 milhões, segundo o Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações em Agrobiotecnologia, ou ISAAA na sigla em inglês.
Enquanto isso, o plantio generalizado de sementes modificadas através da biotecnologia para produzir toxinas letais a pragas e suportar herbicidas como o Roundup, da Monsanto, contribuiu para a evolução de insetos e ervas daninhas que podem sobreviver a esses produtos, dizem acadêmicos. Isso ajudou a aumentar as vendas de inseticidas e herbicidas para combater o problema – e deu força à acusação de que o uso de sementes transgênicas está ampliando o emprego de pesticidas sintéticos que podem ameaçar a saúde humana e o meio ambiente. A Monsanto e outras fabricantes de sementes argumentam que os produtos possibilitam que agricultores se limitem ao uso de pesticidas como o Roundup, que são menos nocivos ao meio ambiente.
A contínua necessidade de soluções químicas para os problemas da lavoura e o lento processo de aprovação de sementes biotecnológicas pelos reguladores tornam atrativa a perspectiva de fortalecer a área de pesticidas, diz William Young, diretor administrativo da consultoria agrícola americana ChemSpeak LLC. Com muitos dos maiores mercados agrícolas do mundo já saturados de transgênicos e outros, como a China e a Europa, resistindo à aprovação desses produtos, os pesticidas podem ser um modo de a Monsanto se expandir, diz. “Diversificar é uma boa opção para eles, considerando o crescimento lento das lavouras geneticamente modificadas.”
Ainda assim, uma possível aquisição iria provavelmente passar por um exame minucioso dos reguladores, que poderiam exigir que a Monsanto vendesse ativos similares de sementes de milho, soja e legumes para preservar a concorrência no setor. O acordo poderia enfrentar, também, a resistência dos produtores, uma vez que os preços de sementes e químicos vêm subindo com a consolidação da indústria nos últimos 20 anos.
“Duvidamos muito que uma aquisição dessa natureza fosse vantajosa para as famílias de agricultores dos EUA”, diz Roger Johnson, presidente da União Nacional dos Produtores, grupo de defesa dos agricultores.
Monsanto, Syngenta e outras empresas de agronegócios também enfrentam a contenção de custos dos produtores após dois anos em que safras abundantes de milho e soja derrubaram os preços dos produtos. Mas a Monsanto tem se saído melhor que a Syngenta nesse cenário. Suas ações subiram 2,8% nos 12 meses anteriores à divulgação de sua oferta, na sexta-feira. Já as ações da Syngenta recuaram 2,9%.
Valor, 11/05/2015