MERCADO
União fortaleceria as companhias no mercado de insumos agrícolas
União fortaleceria as companhias no mercado de insumos agrícolas
Uma possível fusão entre Dow Chemical e DuPont tende a mexer substancialmente no tabuleiro global de sementes e agrotóxicos, poucos meses depois de um frustrado movimento de consolidação no setor deflagrado pela tentativa da americana Monsanto de comprar a suíça Syngenta. E nesse cenário, o Brasil, principal mercado mundial de agroquímicos e o terceiro em sementes, tende a ocupar papel central na estratégia da companhia que resultar dessa união.
Números da consultoria alemã Kleffmann, especializada no agronegócio, indicam que o Brasil respondeu por 16% das vendas globais de defensivos em 2014, ou US$ 9,74 bilhões. Em sementes, o país movimentou US$ 3,93 bilhões, 9% do mercado global – atrás dos EUA e da China, mas a caminho de superar os asiáticos e abocanhar a segunda posição.
As margens positivas da produção de grãos do Brasil nos últimos cinco anos contribuíram para impulsionar os resultados recentes das fornecedoras globais de insumos. Com as vendas ganhando corpo, os braços agrícolas passaram a responder por fatias mais expressivas nos faturamentos totais dessas múltis, embora os negócios permaneçam concentrados na indústria química tradicional.
Até por isso, a percepção de Bob Fairclough, analista da Kleffmann, é que as conversas sobre a fusão entre Dow e DuPont estejam mesmo capitaneadas pelos segmentos de químicos especiais e plásticos, não o agrícola. “Quando você olha para o mix de produtos e a relação de forças das duas empresas, não há um “encaixe” óbvio para sementes e defensivos como teria sido, por exemplo, para Monsanto e Syngenta”, disse ao Valor.
Fairclough lembra que há cerca de 15 anos houve uma intensa consolidação que resultou nas “big six”: Syngenta, Bayer CropScience, Basf, Dow AgroSciences, Monsanto e DuPont. Desde então, pouco aconteceu. Mas o desenvolvimento cada vez mais caro e demorado de novas moléculas (em torno de 10 a 15 anos) e a perda de pujança dos preços da soja e do milho impõem uma realidade cada vez mais dura às empresas.
Se o negócio se concretizar, Dow e DuPont passarão de coadjuvantes a protagonistas no ramo agrícola. Combinadas, as duas podem destronar a Monsanto, atual líder, que faturou US$ 15,9 bilhões em 2014. Juntos, os negócios de sementes e agroquímicos de Dow e DuPont registraram vendas de US$ 18,59 bilhões no ano passado.
No Brasil, somente em agrotóxicos, a empresa originada da fusão passaria à terceira posição, com vendas que somaram US$ 1,8 bilhão em 2014, segundo uma fonte com conhecimento do setor. As companhias não divulgam os números do país. De acordo com essa mesma fonte, a Syngenta contabilizou US$ 2,24 bilhões, e a Bayer, US$ 2,1 bilhões.
A Dow AgroSciences atua de forma mais destacada em herbicidas, enquanto a DuPont tem maior presença em inseticidas. No front de sementes, a DuPont é a mais bem colocada, embora no início de 2015 a Dow tenha se fortalecido no Brasil com a aquisição do banco de germoplasma da Coodetec, de Cascavel (PR), por US$ 145 milhões.
Para Fairclough, a agregação da participação de mercado da Pioneer, divisão de sementes da DuPont, tende a ser de grande importância para o sucesso da Enlist, nova tecnologia transgênica da Dow que busca rivalizar com as soluções de geneticamente modificados da Monsanto. O herbicida Enlist Duo, que compõe o pacote dessa tecnologia, chegou a ser liberado nos EUA, mas autoridades ambientais voltaram atrás e pediram mais análises do produto. No Brasil, a tecnologia também aguarda sinal verde.
“Juntas, as duas companhias terão condições de criar um pipeline [conjunto de produtos em desenvolvimento] mais robusto”, afirma Flávio Hirata, da consultoria Allier Brasil. De acordo com ele, DuPont tem o pipeline agrícola mais fortalecido que a Dow no momento. Mas os rearranjos não devem parar por aí. “Se confirmada, essa fusão vai impulsionar outras”, prevê ele.
Desde que a Monsanto desistiu oficialmente de adquirir a Syngenta, em agosto, rumores de novas negociações só cresceram. A própria Monsanto cogitou avançar sobre a Bayer. Os chineses também entraram no páreo: a Syngenta rejeitou uma oferta de US$ 42 bilhões da estatal ChemChina no mês passado, mas fontes a par do assuntos dizem que as conversas continuam. Rumores davam conta de que a Syngenta, por sua vez, negociava uma fusão com a divisão agrícola da DuPont, ao mesmo tempo em que esta já tratava com a Dow.
Alguns analistas dizem que um desmembramento (spin-off) da área agrícola das duas empresas combinadas pode ser uma alternativa. O fato é que o cenário para que o negócio se desenrole é favorável, especialmente se levada em conta as culturas similares de Dow e DuPont, ambas americanas. “Grandes fusões no passado frequentemente envolveram empresas americanas e europeias, e a cultura, por vezes, atrapalhou”, afirma Fairclough.
Valor Econômico, 10/12/2015