SUSTENTABILIDADE

A logística reversa no meio dos defensivos agrícolas


A agricultura é um dos setores que mais consome água no mundo, e o contato direto desse recurso natural com a atividade tem um preço. Os defensivos agrícolas utilizados para conter pragas nas plantações e aumentar a produção também podem ser prejudiciais quando mal utilizados. Ao entrar em contato com esse tipo de substância, seja devido ao descarte e uso indevido do material ou seja devido à contaminação do solo e dos lençóis freáticos durante o trabalho agrícola, o ser humano tem a saúde comprometida e pode desenvolver até câncer. Nesse cenário, o engenheiro civil José Pedro Varela decidiu desenvolver uma metodologia capaz de recolher 90% das embalagens vazias do produto no Estado, utilizando, como principal objeto, os municípios que acompanham a Bacia Hidrográfica do Rio Jaguaribe.

Entrevistador – Quais os principais problemas causados pelo descarte indevido de embalagens?

José Pedro Varela – Comumente, essas embalagens são destinadas de quatro formas diferentes: simplesmente são largadas no chão, grande parte delas é enterrada, a outra parte é queimada e uma pequena parte das pessoas faz a devolução, que é a forma correta de você proceder para destinar a embalagem vazia. Na medida em que a gente visitou os municípios do Interior, a gente constatou que a maioria das pessoas guardavam as embalagens vazias, lavavam e armazenavam alimentos, arroz, feijão, milho para o consumo ao longo do ano. Algumas pessoas utilizavam as embalagens para fazer um depósito de alimento dos animais e outras armazenavam água para o consumo humano, por exemplo. Então, a gente constatou que alguns agricultores estavam com problema de saúde, câncer de pele ou câncer de estômago, devido ao consumo dessa água com grande concentração de agroquímicos, que carregam uma quantidade muito elevada de metais pesados e outros compostos químicos. Com isso, a gente propôs essa metodologia na qual eu utilizei análise de multicritério e criei um modelo que ajudasse essas pessoas a destinarem corretamente as embalagens vazias, coletando 90% desse material utilizado no Ceará.

Entrevistador – Como o modelo de logística reversa pode ajudar?

José – Basicamente, a logística reversa é considerada um circuito inverso do que ocorre na logística direta. Na logística direta você tem a matéria prima, o fabricante, o distribuidor, o varejista e o consumidor, que é o destino final. A logística reversa parte do consumidor para chegar ao produtor. No caso das embalagens vazias, o agricultor é o estágio final do consumo. Ele adquire a embalagem vazia, dos varejistas, que por sua vez adquirem as embalagens junto às empresas revendedoras de agroquímicos. Na logística que eu propus, o agricultor pode fazer a devolução da embalagem vazia de duas formas: junto à loja onde ele adquiriu o produto ou junto ao posto de recebimento, que funciona como um depósito, onde todo mundo pode chegar lá e entregar a embalagem. O posto e a loja fazem a devolução junto à central. No Brasil, existem apenas duas centrais, que ficam em São Paulo e em Mossoró. Essa central de recebimento tem a capacidade para receber milhões de embalagens vazias e pode fazer a devolução do material junto às empresas que são parceiras do Sistema Campo Limpo (programa brasileiro de logística reversa de embalagens vazias de defensivos agrícolas), no caso as recicladoras ou incineradoras. Se a embalagem estiver em um estado bom, ela pode ser lavada, reciclada e enviada de novo para a empresa que produz agroquímicos. Caso essa embalagem esteja em um estado de decomposição muito avançado, ela será incinerada.

Entrevistador – Quais são os principais riscos das embalagens vazias?

José – Tudo que você usar na agricultura para combater as pragas, nesse caso, os agroquímicos, fica no solo. Na época chuvosa, todo esse contaminante dos agroquímicos é arrastado para dentro dos açudes, e o tratamento de água que a gente tem não consegue remover na sua totalidade os compostos químicos, metais pesados, entre outros. A gente acaba consumindo sem querer essa substância, causando uma série de problemas. A sua persistência no meio ambiente, com o passar do tempo, acaba contaminando o lençol freático, comprometendo as águas subterrâneas e as tornando impróprias para o consumo. Em alguns casos, quando essa concentração se dá no meio aquático em concentrações muito elevadas, acaba ocasionando a morte dos peixes e outros seres vivos. Quando o ser humano entra em contato com essa substância, tendo contaminação crônica ou aguda, ela pode ocasionar problemas neurológicos, reprodutivos, má-formação congênita, distúrbios endócrinos, distúrbios mentais e, em casos mais extremos, câncer dos mais variados tipos.

Entrevistador – Como o senhor avalia o impacto da sua tese no meio acadêmico e no mercado?

José – A metodologia que eu utilizei já foi usada em outros países, na China, por exemplo, mas na área ambiental não existem trabalhos voltados a isso. É justamente sobre isso que recai o elitismo desse trabalho. É uma pesquisa que foi desenvolvida durante quatro anos e eu tive dificuldade para reunir uma bibliografia justamente pela pouca quantidade de trabalhos acadêmicos voltados a isso. Eu creio que a produção desse trabalho vem despertar interesse de outras áreas e outros profissionais, para que essa metodologia seja utilizada em outros ramos, no sentido de preservação ambiental. Diariamente a gente está em contato com produtos, alimentos com concentração elevadíssima de agroquímicos

O Povo, 31/12/2019

Fonte Imagem: Reprodução

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