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Debate sobre efeito de inseticidas em abelhas retorna à pauta na EU

Debate sobre efeito de inseticidas em abelhas retorna à pauta na EU


As autoridades europeias retomaram o acirrado debate sobre se os inseticidas mais usados do mundo estão prejudicando as abelhas.

Há dois anos, a União Europeia aprovou restrições no uso de inseticidas, conhecidos como neonicotinoides, devido a receios em relação ao impacto desses químicos sobre os insetos. A UE agora decidiu reavaliar as proibições, pedindo a pesquisadores do mundo todo para contribuírem com os dados científicos mais recentes. Esses químicos se tornaram o ponto central da briga entre a indústria química e os grupos ambientalistas sobre os pesticidas.

Ao longo dos últimos dez anos, propagou-se na Europa e na América do Norte a evidência anedótica de que os agricultores estavam vendo grandes e inexplicáveis declínios nas populações das colmeias, espalhando receios de que os insetos, essenciais para a polinização de culturas e todo o ecossistema, estavam morrendo. Ambientalistas e alguns cientistas puseram a culpa nos neonicotinoides, uma classe relativamente nova de pesticidas que tem como alvo o sistema nervoso dos insetos.

Mas a indústria química questiona se as populações de abelhas estão de fato diminuindo. E, mesmo que o declínio esteja ocorrendo, as empresas argumentam que a culpa pode ser de outros fatores como parasitas, vírus, o clima e a perda do habitat natural.

Duas das maiores empresas químicas do mundo, a Bayer AG e a Syngenta AG, estão fazendo uma campanha de lobby e de relações públicas para eliminar as proibições europeias. As duas empresas custearam alguns estudos sobre o impacto dos seus produtos sobre as abelhas, e nenhum deles apontou danos. Já os grupos ambientalistas estão se preparando para a briga para garantir que as restrições sejam mantidas.

“Achamos que as evidências de que os neonicotinoides fazem mal às abelhas são esmagadoras”, diz Sandra Bell, do grupo ambientalista Friends of the Earth.

Nos Estados Unidos, as autoridades ainda não adotaram medidas contra os neonicotinoides. Este mês, o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) divulgou um relatório concluindo que mais de 40% das abelhas produtoras de mel do país morreram no período de 12 meses encerrado em abril. A Casa Branca anunciou na semana passada um plano para reduzir de entre 20% e 25% para 15% as perdas anuais de colônias de abelhas nos EUA durante o inverno.

Entre os produtos incluídos nas proibições da UE estão o imidacloprida, o inseticida mais vendido mundialmente, produto principal da Bayer; o clothianidin, também fabricado pela Bayer; e o tiametoxam, da Syngenta. Os três químicos respondem por bilhões de dólares em vendas anuais para as duas empresas. A indústria já processou a UE devido às proibições.

“A suspensão de alguns usos para as três substâncias foi decidida com base em significativa pressão pública, em diretrizes científicas que estavam em discussão e não validadas”, diz Jean-Charles Bocquet, diretor-geral da Associação Europeia de Proteção às Culturas, que representa a Bayer e a Syngenta.

Os químicos foram lançados nos anos 90 e passaram a ser amplamente usados porque eram menos tóxicos aos mamíferos. Mas os inseticidas também se espalham por folhas, pétalas, néctar e pólen de um número de plantas, tornando-se uma potencial ameaça para insetos polinizadores, como as abelhas.

A Comissão Europeia, braço executivo da União Europeia, proibiu a maioria dos usos de inseticidas nas culturas de milho, algodão, colza e girassol, incluindo sementes tratadas com os químicos.

Bayer e Syngenta argumentam que os estudos nos quais as proibições se baseiam não replicam como as abelhas estão realmente expostas aos químicos quando eles são usados pelos agricultores no campo. De maneira geral, os estudos expuseram as abelhas aos químicos em laboratórios, e a indústria química diz que as doses podem ter sido mais elevadas do que as que uma abelha poderia encontrar na natureza.

“A dose que usamos pode ter superestimado a dose no campo”, afirma Mickaël Henry, cientista de um instituto de pesquisa na agricultura que conta com recursos do governo da França e um dos autores de um dos estudos citados pela UE ao proibir seu uso. O estudo de Henry verificou que as abelhas expostas ao tiametoxam eram menos capazes de fazer o caminho de volta a suas colmeias, expondo as colônias ao risco de colapso. “Não temos uma pista real de qual seria a dose correta, realista, que você deve usar nesse tipo de experimento”, afirma ele.

Mas um estudo recente de pesquisadores suecos, um dos primeiros não custeados pela indústria para analisar o impacto dos químicos em ambientes agrícolas realistas, tem mudado a percepção sobre o possível impacto dos pesticidas: a clotianidina pareceu não ter nenhum impacto sobre as abelhas produtoras de mel, mas ter efeito significativo sobre as espécies mamangava e outras abelhas selvagens.

O estudo verificou que as colônias de mamangava em ambientes tratados com clotianidina não ganharam peso, enquanto as colônias não tratadas com o químico triplicaram de peso em 25 dias. E as mamangavas nos ambientes tratados com o produto exibiram uma atividade reprodutiva muito mais baixa do que as expostas a ambientes não tratados com o inseticida. “Essas foram grandes diferenças”, afirma Maj Rundlöf, um dos autores do estudo.

A Bayer, a Syngenta e grupos de produtores têm solicitado exceções às proibições em nome dos agricultores europeus que alegam estar perdendo parte de suas colheitas devido às pragas, já que não podem usar os químicos para combatê-las.

“Ouvimos de centenas de nossos produtores no ano passado que eles perderam culturas porque não tinham neonicotinoides”, afirma Guy Smith, vice-presidente da União Nacional de Agricultores da Inglaterra e de Wales, que também cultiva colza. “Nós estamos muito conscientes do fato de que em outras partes do mundo – Canadá, EUA, Austrália – não há restrições e eles são nossos concorrentes”, completa Smith.

 

Valor,  27/05/2015

Imagem: O Progresso

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