USO E APLICAÇÃO
Genoma do fungo da ferrugem asiática pode ajudar no controle da doença
A Embrapa e outros membros do International Asian Soybean Rust Genome Consortium comemoram os avanços obtidos com o sequenciamento e montagem do genoma de três amostras (dois isolados obtidos no Brasil e um no Uruguai) do fungo P. pachyrhizi, causador da ferrugem asiática da soja. O trabalho fornece algumas pistas sobre uma das características mais desafiadoras do microrganismo: sua alta variabilidade, que o faz se adaptar rapidamente e contornar diferentes medidas de controle. O estudo foi publicado na revista Nature Communications.
A ferrugem asiática da soja é um dos principais desafios fitossanitários da cultura, pois o fungo pode se adaptar às estratégias de controle, seja perdendo a sensibilidade a fungicidas, seja “quebrando” a resistência genética presente nas cultivares de soja. “A disponibilidade de um genoma de referência para o fungo é fundamental para o avanço no conhecimento da biologia e dos fatores envolvidos na adaptabilidade do fungo, com o objetivo de acelerar o desenvolvimento de novas estratégias de controle”, afirma o pesquisador da Embrapa Soja Francismar C. Marcelino-Guimarães , um dos autores do artigo.
O pesquisador explica que o conhecimento detalhado sobre o funcionamento do genoma de referência do fungo é fundamental para entender os fatores que estão envolvidos em sua adaptabilidade e que, assim, contribuem para dificultar seu controle. “Com base no genoma, descobrimos que cerca de 93% é composto por sequências repetitivas de DNA chamadas transposons, fragmentos de DNA que podem ‘pular’ ou mudar de lugar no genoma, o que pode contribuir para sua alta variabilidade”, explica o pesquisador. “Curiosamente, pudemos observar que alguns desses transposons se tornam ativos no fungo e saltam no genoma durante uma infecção, principalmente nas primeiras horas de contato com o hospedeiro. Eles se tornam ativos 24 a 48 horas após a infecção, juntamente com outros genes essenciais para o sucesso da infecção, conhecidos como efetores, que funcionam suprimindo a planta.
No estudo, também foi possível identificar o conjunto completo de efetores do fungo, compartilhado pelas três amostras do fungo, incluindo aquelas que estavam ativas ou expressas nos momentos cruciais da infecção. Alguns desses efetores foram caracterizados pela Embrapa Soja, mostrando sua ação ou ataque contra o hospedeiro durante o parasitismo. “Entender as estratégias de ataque do patógeno é fundamental para o desenvolvimento de estratégias de controle”, afirma o pesquisador.
Guimarães revelou ainda que, com base no genoma disponível, os estudos de genômica comparativa com outras espécies de fungos também mostraram particularidades adaptativas decorrentes da contração ou expansão de famílias gênicas. “Comparando o genoma do patógeno da ferrugem da soja com o de 14 espécies de fungos, identificamos que a perda gênica é mais frequente em P. pachyrhizi . Essa característica explica sua alta dependência do tecido vegetal do hospedeiro vivo e, em alguns processos biológicos, o patógeno é totalmente dependente do hospedeiro”, relata, ao explicar que o conhecimento dos processos e elementos-chave envolvidos no parasitismo é essencial para desenvolver plantas hospedeiras menos atraentes ou mais tolerantes ao fungo.
A importância da pausa sanitária
As estratégias de manejo estão centradas em práticas como a pausa sanitária, período em que o campo fica sem plantas vivas de soja por pelo menos 90 dias. A prática reduz os inóculos fúngicos. No Brasil, a pausa sanitária começa em junho em vários estados produtores de soja.
Além disso, outras estratégias de evasão da doença são: uso de cultivares de ciclo precoce e semeadura no início da época recomendada; a adoção de cultivares resistentes; observância do calendário de semeadura; e o uso de fungicidas.
Segundo o pesquisador, eles também observaram a ocorrência de famílias gênicas expandidas – envolvidas na produção de energia e no transporte de nutrientes –, o que pode indicar certa flexibilidade no metabolismo e na aquisição de nutrientes. “Entender o estilo de vida do parasita em nível molecular é importante para identificar os genes que são essenciais durante o parasitismo da soja e, portanto, essenciais para a aquisição de nutrientes e sobrevivência do fungo”, explica.
Esses genes podem ser usados para o desenvolvimento de estratégias de controle (por exemplo, via edição de genes ou transgênicos), pois podem comprometer processos vitais como o parasitismo. “Estudos realizados na Embrapa também testaram a eficácia do silenciamento de alguns genes essenciais do fungo, estratégia com potencial para reduzir a gravidade da doença”, observa.
A análise do genoma também revelou um alto nível de diferenças (heterozigosidade) entre os dois núcleos que constituem o genoma do fungo. “Essa característica indica ausência de recombinação entre eles, favorecendo a propagação ou reprodução assexuada do fungo na América do Sul.
DNA
A chave para entender o comportamento e a evolução das espécies está no genoma: o conjunto de informações genéticas de um organismo. O genoma tem a missão de coordenar o funcionamento das células – construindo, reconstruindo e gerenciando a atividade das células individuais. Por outro lado, os genes representam seções funcionais desse genoma, que são relevantes para a atividade biológica.
Ferrugem asiática da soja
A ferrugem asiática da soja tem sido a doença mais grave a afetar o cultivo da soja desde sua identificação na década de 2000. A doença pode levar a perdas de até 80% se não for controlada, enquanto os custos de manejo para os agricultores brasileiros ultrapassam US$ 2 bilhões por ano-safra. O fungo pode se adaptar às estratégias de controle, seja perdendo a sensibilidade aos fungicidas ou “quebrando” a resistência genética presente nas cultivares de soja, de forma que o número de soluções práticas para o controle da doença ainda é limitado.
International Asian Soybean Rust Genome Consortium – Entre os anos de 2019 e 2021, a iniciativa internacional de pesquisa ASR Genome Consortium disponibilizou publicamente o sequenciamento e a montagem do genoma de referência de três isolados de P. pachyrhizi.
O consórcio internacional é composto por 12 instituições públicas e privadas: a Embrapa, as universidades alemãs de Hohenheim e RWTH Aachen, o Instituto Nacional de Pesquisas Agronômicas (INRA) da França e a Universidade de Lorraine, além do Joint Genome Institute (JGI) no EUA, Fundação 2Blades, Bayer, Keygene, Laboratório Sainsbury (Reino Unido), Syngenta e Universidade Federal de Viçosa (Brasil).
Fonte: O Presente Rural, 12/06/2023
Fonte da Imagem: Pixabay