A partir da seleção de genes que permitem o controle de pragas por RNA de interferência, foi desenvolvida, no Instituto de Biologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), uma tecnologia que pode ser utilizada para o controle de doenças e pragas em plantações agrícolas. Resultado de uma parceria entre a universidade e a Tropical Melhoramento & Genética, o método foi licenciado em caráter não exclusivo para a empresa, que deverá repassar a tecnologia a produtores rurais. A princípio, o foco é a utilização da tecnologia em lavouras de soja e algodão. Contudo, ela pode ser aplicada a qualquer tipo de cultura agrícola.
“Todos os seres vivos possuem um mecanismo para lutar contra ataques virais, silenciando seus genes. Pesquisadores descobriram que podemos usar este mesmo mecanismo para enganar as células de qualquer organismo e silenciar seus próprios genes”, conta o professor Henrique Marques-Souza, responsável pelos estudos. Nesta parceria, a Unicamp fornece o know-how de como identificar, selecionar e silenciar genes específicos, enquanto a empresa trouxe seu conhecimento agrário, com foco em pragas e doenças da lavoura.
Uma das principais empresas de melhoramento de soja e algodão do mundo, a TMG já tinha interesse em tecnologias do gênero e soube dos artigos publicados pelo grupo de Marques-Souza.
“Os processos que envolvem o RNA de interferência são algo que outras empresas multinacionais do setor agrícola já estão buscando também. Nós realizamos uma busca, aqui no Brasil, para encontrar pesquisadores que fossem referência nessa área e chegamos até o professor Henrique, que já acumula experiência no silenciamento gênico de RNA. Ele tem uma linha de pesquisa bem alinhada com os objetivos da empresa”, afirma Alexandre Garcia, porta-voz da TMG.
“Hoje podemos desenvolver moléculas de RNA silenciadoras para o controle de qualquer praga ou doença nas diversas espécies cultivadas”, completa o docente da Unicamp. Ele se especializou em silenciamento gênico durante o seu doutorado na Universidade de Colônia, na Alemanha, e seu pós-doutorado na Universidade da Califórnia, Berkeley. O pesquisador adaptou a tecnologia para realizar o controle molecular de pragas agrícolas e fundou o laboratório Blast (acrônimo de Brazilian Laboratory on Silencing Technologies), voltado para estudos em silenciamento gênico.
DEMANDAS
Um dos maiores desafios na produção de alimentos no mundo é combater as perdas agrícolas causadas por pragas e doenças. Este controle é feito, atualmente, por meio do uso de defensivos agrícolas, que podem ser tóxicos ao meio ambiente e aos consumidores. Por isso, vale ressaltar que um dos principais diferenciais da tecnologia é o fato de não ser necessário o uso de defensivos agrícolas. “Não é um produto químico, mas um produto biológico. Apesar de serem produzidas no laboratório, elas são análogas a moléculas de RNA presentes no ambiente, e são rapidamente degradadas quando não introduzidas na planta ou na praga”, conta Marques-Souza.
“A tecnologia tem potencial enorme, uma vez que pode reduzir ou substituir a utilização de defensivos químicos (inseticidas). Com isso, o impacto ambiental é muito menor”, comenta Garcia. Por este motivo, a tecnologia se constitui como uma inovação no controle de pragas e doenças nas lavouras. “Você tem um melhor controle das pragas, de uma forma mais eficiente e ambientalmente mais correta”, resume.
Outro ponto que merece destaque é o fato de que técnica não tem interferência sobre outras espécies. Ou seja, trata-se de uma ferramenta molecular muito específica, tendo o mecanismo de ação determinado por sequência gênica única. “Com isso, torna-se possível controlar uma única espécie ou um grupo de espécies de pragas alvo, não afetando espécies correlatas, inimigos naturais ou outros organismos”, completa o professor.
A escolha das culturas para a aplicação da tecnologia, conta Garcia, foi baseada nos principais mercados agrícolas do país, tendência seguida também nas pesquisas realizadas pelos pesquisadores da Unicamp. “A soja é o principal mercado e a principal cultura agrícola do Brasil. O algodão é uma cultura que demanda uma enorme quantidade de defensivos químicos e pode se beneficiar da tecnologia. E estamos entrando também no mercado de milho”, aponta.
Todo Dia, 04/02/2018