ENTREVISTA
Especialista da Agrymet fala sobre as mudanças meteorológicas e o impacto na incidência de pragas
Dr. Paulo Cesar Sentelhas – Professor de Agrometeorologia da ESALQ/USP, com mestrado, doutorado e pós-doutorado em agrometeorologia, pesquisador do CNPq, nível 1A, Editor-chefe da revista científica Scientia Agricola e CTO da Agrymet.
A Agrymet é uma empresa de consultoria e assessoria em projetos agrícolas que atua especificamente na área de agrometeorologia. A empresa desenvolveu o sistema AGRYMAX, o qual monitora as condições agrometeorológicas de mais de 11.000 pontos em todo o Brasil, com séries históricas de mais de 40 anos, oferecendo diversos produtos e serviços em agrometeorologia para os mais diferentes segmentos do agronegócio brasileiro.
1. O clima é muito importante para o produtor rural, influenciando na produtividade das culturas no país. Em sua opinião, como as alterações climáticas podem impactar nas culturas regionais do Brasil? Dê exemplo de algum evento onde o clima impactou nas pragas no país.
As condições meteorológicas/climáticas são parte dos sistemas agrícolas, influenciando uma série de aspectos que vão desde o metabolismo das plantas (fotossíntese e respiração de manutenção), passando pela definição da época de plantio, a escolha da cultivar e a população de plantas, o controle de pragas e doenças, até a colheita. Assim, as condições meteorológicas/climáticas afetam o crescimento e desenvolvimento das plantas, assim como a produtividade e a qualidade da produção. São vários os exemplo dos impactos das condições meteorológicas adversas na produção agrícola mas, a mais recente foi a acentuada quebra de produtividade das lavouras de soja no estado do Rio Grande do Sul, em função da estiagem que assolou o estado na safra 2019-20. Além disso, as condições meteorológicas vigentes ao longo do ciclo das culturas também afetam a infestação de pragas e a severidade das doenças, fazendo com que haja anos onde o controle fitossanitário deve ser mais intenso e, outros em que não há a necessidade de tantas pulverizações.
2. As mudanças climáticas que estão sendo observadas como, por exemplo, a estiagem no Centro-Oeste, podem impactar na produção de culturas como soja nos estados. Você acredita que, a partir destas alterações, deverá ocorrer uma mudança no padrão de manejo das culturas? Quais as culturas que você acredita que poderão ser mais impactadas?
Sendo as culturas agrícolas altamente influenciadas pelas condições meteorológicas, qualquer alteração nessas irá acarretar impactos na produção, sejam essas alterações causadas pela variabilidade climática (oscilação que ocorre de ano para ano) ou, pelas mudanças climáticas (alterações contínuas ao longo das últimas décadas). Esses impactos podem ser muito diversos mas, tomando como base as evidências que temos em termos do aquecimento global, que já vem ocorrendo e deve persistir num futuro próximo, as culturas poderão ter seus ciclos de produção encurtados, sofrer mais com distúrbios fisiológicos causados por altas temperaturas, especialmente na fase reprodutiva e, sofrer mais com períodos de déficit hídrico. Caso essas mudanças se confirmem, os produtores terão que buscar estratégias que possibilitem ajustar os sistemas agrícolas a essas novas condições climáticas. Entre essas estratégias, o uso de cultivares mais tolerantes a altas temperaturas e ao déficit hídrico e, o ajuste da época de semeadura e da população de plantas, figuram entre as mais importantes. Nesse contexto, todas as culturas agrícolas poderão ser afetadas, mas especialmente aquelas menos tolerantes ao calor e, nas regiões onde o clima já é mais restritivo à produção agrícola.
3. As mudanças climáticas também influenciam na época de infestação de pragas no campo. Em sua opinião, além do ciclo da praga, estas alterações podem provocar o surgimento de novas pragas? Pragas secundárias poderão se tornar pragas primárias?
Assim como os vegetais, os insetos-praga dependem das condições meteorológicas para regular seu metabolismo. Isso faz com que a temperatura seja fundamental para regular o ciclo das pragas, havendo maior infestação em ambientes mais quentes e, menor em ambientes mais frios. Havendo um aquecimento do ambiente, as pragas tendem a encurtar seus ciclos e, assim gerar novas gerações em menor intervalo de tempo, o que provocará uma maior população e infestação, aumentando assim os impactos nas culturas. Isso também permitirá uma migração de pragas para os locais onde antes elas eram menos problemáticas.
4. É sabido que a aplicação de defensivos também está relacionada com as condições de velocidade do vento, temperatura e umidade no campo. Como as alterações climáticas devem influenciar no período de aplicação dos defensivos? Deverá haver alguma alteração na utilização das moléculas tradicionais como, por exemplo, o Glifosato e o 2,4-D?
A eficiência de aplicação de defensivos é altamente influenciada pelas condições meteorológicas, sendo que parte das restrições às aplicações aéreas e terrestres se deve às altas temperaturas e baixas umidades, quando há maior chances de deriva vertical, ou seja, das gotas evaporarem antes de atingir o alvo, ou seja a cultura. Assim, o aquecimento decorrente das mudanças climáticas podem afetar o controle de pragas. Com relação às mudanças no uso de moléculas como as mencionadas ainda não há evidências de que as mesmas deverão sofrer alteração, mas podemos admitir que num ambiente mais quente e seco o desempenho delas deverá mudar.
5. Dentro de todo o cenário exposto acima, em sua visão, qual é a tendência climática que a Agrymet visualiza no futuro e, como o produtor rural deverá se adaptar para manter o nível de produtividade no país?
A curto prazo não deveremos ter mudanças tão bruscas. De qualquer forma o que recomendamos é que os produtores se mantenham atentos ao monitoramento agrometeorológico de suas áreas e acompanhem as previsões de tempo e clima constantemente, de modo a balizar suas tomadas de decisão em critérios técnicos, tornando essas decisões mais assertivas. A longo prazo, os cenários de mudanças climáticas ainda que indicando um maior nível térmico, são muito incertos e fica difícil de projetar qualquer cenário com um nível razoável de certeza. Para a próxima safra, o que vemos é uma indicação de um evento de La Niña, o que nos traz expectativas de uma boa safra de verão para os produtores do MAPITOBA, enquanto que no sul do país os agricultores deverão enfrentar mais um ano de restrições hídricas para as lavouras.
6. Como o desenvolvimento de novas tecnologias aliado aos conhecimentos climáticos, na área de pragas e plantas daninhas, podem contribuir no monitoramento das infestações e assim, auxiliar na tomada de decisão prévia para o produtor?
O manejo de pragas e plantas daninhas depende, entre outras coisas, das condições meteorológicas. Além do efeito direto nas pragas e plantas daninhas, as condições meteorológicas também afetam as condições de controle, ou seja, as pulverizações e o melhor produto a ser aplicado em cada situação. Atualmente, a popularização das estações meteorológicas e dos serviços de agrometeorologia, como o AGRYMAX, tem possibilitado aos agricultores monitorarem suas áreas e, assim, tomar decisões mais assertivas sobre o momento mais adequado para as pulverizações. No caso específico das pragas e doenças, o controle pode ser mais efetivo por meio do emprego dos sistemas de alerta fitossanitário, o que possibilita realizar o controle quando estritamente necessário, ou seja, quando o ambiente favorecer a ocorrência desses microorganismos.
7. Quais culturas geralmente sofrem mais com alterações climáticas agressivas? Como os produtores podem se antecipar para evitar maiores problemas no campo.
Todas as culturas estão sujeitas as variações das condições meteorológicas. No entanto, algumas culturas parecem ser mais sensíveis, como aquelas de ciclo curto e, muito suscetíveis a pragas e doenças. Assim, vemos que a hortaliças e olerícolas, como o tomate e a batata, são culturas muito vulneráveis às mudanças nas condições do ambiente. Os produtores muitas vezes podem se antecipar para evitar danos às suas lavouras, mas em algumas situações de eventos extremos é praticamente impossível evitar os danos causados por seca, chuvas excessivas, ventos intensos, geadas ou granizos. Neste caso, um bom planejamento, associado a práticas agrícolas bem efetuadas, é sempre o melhor remédio.
Fonte: Equipe GlobalCropProtection, 08/09/2020
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