ENTREVISTA

Renato Seraphim – Especialista em estratégia no Agronegócio – Analisa os desafios do mercado de defensivos


Renato SeraphimEngenheiro Agrônomo com mais de 30 anos de experiência. Ocupou cargos de liderança, como CMO e CEO, em empresas renomadas como Syngenta, Bayer, Albaugh ,UPL, Agro 100 e Ciarama Máquinas John Deere.Desde janeiro de 2025 esta atuando como conselheiro de empresas , palestrante e mentor de líderes do agronegócio e de startups e empresas, também está atuando como professor de inovação e marketing em escolas de negócio como Agroadvance, terras gerais , elevagro e Agroadvance.

 

1. Com seus 30 anos de experiência em empresas do segmento de defensivos agrícolas, quais foram as mudanças mais significativas que você observou neste mercado no Brasil?

As principais mudanças aconteceram em quatro frentes. A primeira foi no campo regulatório. Apesar de ainda ser caro e burocrático, o sistema atual é muito melhor do que há 15 anos. Isso abriu espaço para mais registros, aumentou a concorrência e reduziu custos ao agricultor. Ainda assim, o Brasil segue sendo um mercado concentrado, dominado por poucas empresas, ao contrário de países como o Paraguai, onde o mercado é mais pulverizado.

O segundo ponto é o acesso ao mercado. Acreditávamos que o mercado brasileiro ficaria igual ao mercado americano. No entanto, isso não deve ocorrer devido a dois fortes fatores no Brasil: vendas diretas, no qual dependendo do segmento, representa 30 a 50% do mercado, com as indústrias acessando o mercado diretamente. E o segundo são as cooperativas, que são verticalizadas e espalhadas, não se tem uma ação nacional, dificultando a consolidação em poucas empresas. Nos EUA, ocorre de forma diferente, com 7 distribuidores que fazem 80% do negócio. Por isso, acredito que o Brasil continuará com um modelo baseado em distribuidores regionais, respeitando as diferenças de culturas e de comportamento dos agricultores em cada região.

O terceiro grande movimento foi o crescimento dos biológicos, que avançaram de forma muito mais rápida aqui do que em outros países. A integração entre químicos e biológicos trouxe novas soluções, especialmente para pragas resistentes, e fez com que o agricultor brasileiro entendesse a importância de práticas mais sustentáveis.

E, por fim, destaco a falta de grandes inovações químicas. Diferente do passado, quando surgiam moléculas que revolucionavam o manejo, hoje vivemos uma comoditização. Os produtos existentes disputam o mesmo espaço na mente do agricultor, tornando difícil gerar valor e pressionando as margens das empresas.

2. Quais são os principais desafios para a competitividade da indústria brasileira de defensivos agrícolas e como superá-los?

A competitividade da indústria brasileira de defensivos ainda enfrenta desafios importantes devido à elevada dependência de insumos importados, principalmente da China e da Índia. Hoje, cerca de 85 a 90% dos nossos produtos, especialmente os ingredientes ativos, vêm desses países. Em comparação, os Estados Unidos possuem uma combinação mais equilibrada: embora também importem insumos, eles mantêm produção própria de síntese para os principais produtos, garantindo maior autonomia e segurança do fornecimento.

No Brasil, infelizmente, não conseguimos desenvolver a síntese de produtos, principalmente por falta de incentivos e nem a fabricação de produtos formulados. Como resultado, é mais barato formular produtos na China do que produzir aqui, o que compromete a competitividade da indústria nacional. Esse cenário é preocupante, considerando que somos o maior mercado agrícola do mundo, com alta incidência de pragas e doenças devido à ausência de inverno que reduza naturalmente esses problemas.

Durante a pandemia, houve medidas de isenção de impostos de importação para produtos já formulados, o que aumentou ainda mais a dependência de insumos externos e deixou parques fabris brasileiros subutilizados. Hoje, países vizinhos, como o Paraguai, se beneficiam dessa dinâmica e possuem mais formulação interna do que o Brasil.

Para fortalecer a produção local, é fundamental rever a tributação, incentivar a síntese e a formulação de produtos no Brasil, e simplificar o registro de novos defensivos. Isso aumentaria a competitividade, garantiria maior autonomia e reduziria a dependência de mercados externos, equilibrando a balança de insumos e consolidando o protagonismo brasileiro no setor.

Em uma palestra recente, foi apresentado que algumas indústrias chinesas estão buscando produzir em países como Argentina, Paraguai para contornar restrições comerciais decorrentes da guerra comercial entre China e Estados Unidos. Esse cenário reforça a necessidade de planejamento estratégico por parte do Brasil, que também poderia se beneficiar mais deste tipo de movimento.

3. A crescente demanda por práticas mais sustentáveis e a ascensão dos defensivos biológicos representam uma ameaça ou uma oportunidade para as grandes empresas de defensivos químicos? Onde você enxerga o ponto de equilíbrio entre os dois mercados no futuro próximo?

Vejo os biológicos muito mais como complemento do que substituto dos químicos. Existem três frentes claras de crescimento: o uso integrado para pragas e doenças de difícil controle, a aplicação para enriquecimento do solo (fixadores de nitrogênio, solubilizadores de fósforo, entre outros) e o grande mercado de agricultores que ainda não utilizam biológicos (mais de 50% no Brasil).

É importante ressaltar que a lógica de uso dos biológicos é diferente: eles funcionam de forma mais consistente e gradual, exigindo manejo contínuo, como um fitoterápico. Essa diferença de entendimento é fundamental para ampliar a adoção.

As grandes fornecedoras de defensivos já possuem times dedicados a biológicos. O desafio é garantir que o Brasil não perca protagonismo.

4. Olhando para o mercado de defensivos de forma geral (químicos e biológicos), quais você acredita que serão os maiores desafios estratégicos do setor nos próximos anos?

Vejo três grandes desafios. O primeiro é a pressão por inovação. No campo dos químicos, as novas moléculas são cada vez mais específicas e não atendem sozinhas à complexidade do manejo brasileiro, o que exige misturas e reinvenções de produtos antigos.

O segundo desafio é o avanço das pragas resistentes e o surgimento de novas ameaças, que exigem uma integração maior entre diferentes tecnologias (desde químicos e biológicos até bioestimulantes e indutores de resistência).

Por fim, há a questão regulatória e de custos. O modelo atual ainda dificulta a entrada de novos players e tecnologias, o que atrasa o acesso do agricultor a soluções mais modernas e competitivas.

5. Com sua experiência global, quais são as principais diferenças nas regulamentações de registro e uso de defensivos entre o Brasil e outros grandes mercados agrícolas? Como a recente flexibilização da legislação no mercado de bioinsumo brasileiro impacta a competitividade e a sustentabilidade da agricultura?

O maior problema do Brasil é a fragmentação do processo de registro. Aqui, o produto precisa passar por MAPA, Ibama e Anvisa, cada um com seus prazos, além de taxas estaduais e anuais. Isso faz com que um registro de genérico leve 5 a 7 anos para ser aprovado, enquanto no Paraguai, por exemplo, pode ser concluído em 1 ano.

Esse sistema encarece os custos, atrasa a inovação e prejudica principalmente o agricultor, que demora mais a ter acesso a novas soluções. Além disso, há um lobby forte das empresas que, muitas vezes, mantém moléculas sem concorrência mesmo após o fim da patente, o que eleva preços artificialmente.

6. Quais são as principais novas tecnologias utilizadas no campo e de que forma elas contribuem para as decisões de manejo dos produtores rurais?

Foi lançado no Brasil um novo produto de uma agtech que está inovando no setor. Trata-se de uma espécie de “vacina” para plantas cítricas, que atua de forma interna como um controle biológico. É uma tecnologia nova e promissora, e acredito nesse tipo de inovação.

Além disso, vejo algumas tecnologias que realmente podem contribuir bastante, alguns tipos de controle biológico, como os peptídeos, e também produtos à base de RNA mensageiro. Inclusive, há um produto sendo desenvolvido nesse sentido, que promete resultados interessantes.

7.Nos últimos anos, vimos um movimento de consolidação e, ao mesmo tempo, o fortalecimento de modelos mais tradicionais na distribuição de insumos. Que formato de distribuição você acredita que terá mais força daqui para frente?

No Brasil, não acredito em uma consolidação nacional como ocorreu nos Estados Unidos. O que veremos é uma combinação de modelos: distribuidores regionais fortes, adaptados às particularidades locais, e um aumento da importação direta.

Também vejo uma entrada mais forte de fabricantes chineses e indianos entrando diretamente no Brasil e atendendo diretamente distribuidores e grandes agricultores. Como por exemplo, eu cito a Rainbow, a empresa se tornou rapidamente uma das maiores do mercado brasileiro, com investimentos no time regulatório, de marketing, e para o fortalecimento da marca. E acredito que muitas empresas seguirão esse mesmo caminho.

 

Equipe Global Crop Protection, 15/09/2025

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