ENTREVISTA
Adauto Nascimento kimilita – Advogado especialista em Agronegócio – comenta os impactos da recuperação judicial no mercado de defensivos agrícolas


Dr. Adauto do Nascimento Kaneyu kimilita atua no Agronegócio há mais de 25 anos. Foi advogado interno da Syngenta Proteção de Cultivos e hoje é Sócio Fundador do escritório J. Ercílio de Oliveira Advogados. Atualmente advoga para grandes empresas do Agronegócio. Na função do advogado é responsável principalmente por temáticas que envolvem a Recuperação Judicial. Faz parte da equipe de Consultores da Plantar Educação (Siagri Educação) como Agro Especialista em Direito no Agronegócio.
Palestrante do Conacredi, além de ser um dos treinadores do Curso Gestão de Risco no Agronegócio.
1 – Ao longo da sua atuação de mais de 20 anos no agronegócio, quais foram os principais marcos da sua trajetória até aqui?
Sem dúvida, é um grande privilégio presenciar o crescimento e a profissionalização do agronegócio brasileiro. A cada safra, percebe-se no campo a presença tecnológica e aumento de produtividade por hectare. Ao mesmo tempo, na parte administrativa, existe a presença de uma equipe financeira e administrativa atenta as mudanças da lei e das estruturas que compõem o sistema de crédito no setor que, ao longo dos anos, teve o crescimento do financiamento privado.
2 – No contexto do agronegócio, o que define uma Recuperação Judicial? Quais são as particularidades desse processo para as empresas do setor, especialmente as do mercado de defensivos agrícolas, em comparação com outros segmentos?
A Recuperação Judicial é uma medida judicial que tem por finalidade soerguer empresas que passam por em crise econômica-financeira momentânea e demonstram viabilidade econômica de se manter ativa, desde que os credores habilitados no processo aprovem um plano de recuperação judicial apresentado pelo Recuperando que, normalmente propõe o alongamento da dívida, redução de juros, carência para início do pagamento e desconto sobre o valor devido.
Caso não ocorra a aprovação do plano, a empresa que pediu a Recuperação Judicial será convolada em falência, cenário em que o pagamento das dívidas do Recuperando ocorrerá – ainda que parcialmente – meio da venda de seus ativos.
Existe uma particularidade no agronegócio, pois, desde o começo de 2021, consta em lei que o produtor rural, assim como uma empresa, também pode pedir a Recuperação Judicial.
Diante da atual crise de liquidez do agronegócio e da possibilidade do produtor rural pedir a Recuperação Judicial, toda a cadeia do agronegócio passou a ser direta ou indiretamente afetada. Aquele que financiou o pequeno e médio produtor rural ao longo dos últimos anos, em geral os distribuidores de insumos agrícolas, já começou a sentir diretamente esse impacto, tanto que já existem inúmeros pedidos de Recuperação Judicial destas empresas.
Já as indústrias do mercado de defensivo agrícola estão sofrendo diretamente com os pedidos de Recuperação Judicial dos produtores rurais, pois existem vendas diretas para os médios e grandes produtores rurais e indiretamente com a dificuldade financeira dos seus distribuidores.
3 – Na sua opinião, qual é o momento certo para uma empresa do agronegócio considerar o pedido de Recuperação Judicial? Quais indicadores financeiros, operacionais ou de mercado sinalizam essa necessidade?
Para uma empresa, antes de considerar uma Recupereação Judicial, é importante analisar, acima de tudo, formar um bom time de crédito, que estudará o perfil de cada cultura e de cada produtor rural. Pesquisas financeiros demonstram, por exemplo, que o sojicultor arrendatário com os preços de insumos agrícolas e a previsão de preço da soja terá baixa lucratividade. Naturalmente, trata-se de um crédito de alto risco.
Ainda que não seja arrendatário, é necessário analisar qual é o grau de endividamento do produtor rural, tendo em vista o aspecto econômico atual com juros elevados. Esse raciocínio também deve ser aplicado na concessão de crédito para distribuidores. Por isso, conceder crédito no agro é um exercício estratégico que merece um estudo apurado das melhores condições e garantias, sempre pensando em se proteger do pior cenário que é a Recuperação Judicial.
Em relação aos indicativos, o ponto mais importante é estar atento às notícias e informações, tanto em um cenário regional quanto nacional e internacional. No âmbito Internacional, diversos fatores, como, por exemplo, variação de cambial e/ou de valor das commodities, podem impactar diretamente as contas da empresa.
Já no contexto regional, é necessário ter atenção ao momento em que as inadimplências – e, por conseguinte, os pedidos de Recuperação Judiciais – aumentam, sendo esta a oportunidade para a empresa buscar contato com seus fornecedores e, possivelmente, uma tentativa de renegociação de suas dívidas, uma vez que será afetada pelo movimento dos produtores rurais, mitigando, assim, o dano que irá sofrer com a insolvência.
4 – Foi observado um aumento no número de pedidos de Recuperação Judicial no agronegócio durante o segundo trimestre/25. Quais fatores estão impulsionando esse crescimento, principalmente no que se refere às empresas de defensivos agrícolas? Endividamento, volatilidade de preços ou desafios regulatórios?
Para entender a crescimento das Recuperações Judiciais das empresas, é necessário dar um passo atrás e entender o que, hoje, são os maiores fatores que influenciam as Recuperações Judiciais dos produtores.
Diversos fatores influenciaram no aumento dos pedidos de Recuperação Judicial no agronegócio, mas o principal, sem sombra de dúvida, além de fatores climáticos, é a baixa lucratividade dos produtores. Se a conta não fecha, a primeira movimentação é a busca de capital junto as instituições financeiras e a tentativa de renegociação da dívida.
Contudo, a situação econômica do país não é nada propícia para quem está alavancado financeiramente.
Como efeito cascata, as empresas de defensivos agrícolas – e, principalmente, os distribuidores de insumos, que são a parte mais vulnerável da cadeia – experimentam um problema de liquidez em razão da inadimplência e/ou em razão de planos de recuperação judicial agressivos que, ao serem aprovados, impactam diretamente no caixa da empresa.
Sendo assim, a empresa, por não receber os valores das vendas (seja por inadimplemento ou por renegociação por meio de recuperação judicial do produtor), passa por um processo de endividamento, fator predominante no pedido de recuperação judicial.
5 – Quais são os principais riscos jurídicos que as cooperativas, revendas e grandes produtores enfrentam hoje?
Atualmente a Recuperação Judicial tem sido o principal temor de quem concede crédito no agro, levando em consideração que os planos apresentados e aprovados são extremamente agressivos com haircut de 70 a 80% e, em média, 15 a 20 anos para pagar.
De acordo com a previsão legal, as operações comerciais entre cooperativa e cooperado não estão sujeito aos efeitos da Recuperação Judicial, sendo esse ponto uma grande vantagem das cooperativas em relação aos distribuidores de insumos.
6 – Diante do cenário atual do agronegócio brasileiro, quais são, na sua visão, os impactos do aumento no número de pedidos de recuperação judicial sobre o setor?
É evidente que esse número elevado de pedidos de Recuperação Judicial no setor causa a redução de crédito e o encarecimento do crédito seja por parte do mercado financeiro, mercado de capitais, das Tradings Agrícolas e das indústrias e distribuidores de insumos agrícolas.
Neste momento, é preciso cada vez mais, analisar crédito com cautela e de forma estratégica, a fim de evitar frustrações no recebimento das operações.
7 – Espaço aberto para outro comentário ou sugestão pertinente sobre a temática.
Estamos passando por um ciclo, até natural, de crise transitória de liquidez no agronegócio, isso não significa necessariamente que o setor está em crise. Basta observar que a cada safra que passa o Brasil aumenta a sua produtividade.
Ademais, não é segredo para ninguém que o mercado mundial é depende da nossa produção, afinal, o agronegócio brasileiro fornece ao mundo o produto mais importante para o ser humano que é o alimento.
Por tudo isso, sem dúvida alguma, existe ainda um mar de oportunidade com bons negócios para quem fomenta a cadeia do agronegócio. Neste momento, é recomendável apenas fazer uma boa gestão de risco na concessão de crédito no agronegócio até que o novo ciclo de grande prosperidade retorne ao setor.
Equipe Global Crop Protection, 27/10/2025
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