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O que podemos aprender com a crise no Sri Lanka?


Os tempos atuais são realmente desafiadores. Inúmeras previsões apontam para um cenário de mudanças climáticas, agravamento de fenômenos extremos e aquecimento global. Um dos caminhos que diversos países têm adotado para endereçar esse assunto é dar uma grande atenção às questões ambientais, deixando outros fatores, a exemplo da segurança alimentar, em segundo plano. Embora a dimensão ambiental da sustentabilidade seja muito importante, a maneira de persegui-la deve ser muito bem pensada para não causar consequências catastróficas, abandonar tecnologias inegavelmente úteis e perder oportunidades valiosas.

Na agricultura, os fertilizantes químicos estão entre uma das principais ferramentas que se relacionam ao incremento da produção em uma lavoura. A Revolução Verde, por volta de 1960, introduziu essa inovação e, assim, contribuiu para aumentar drasticamente a produtividade das culturas, melhorando renda e garantindo alimentos em quantidade e qualidade suficientes. Os defensivos químicos, usados para proteger as plantas do ataque de pragas e doenças, são uma outra solução de alto valor agregado da agricultura contemporânea. Mas o uso dessas tecnologias no campo está na mira de uma visão reducionista da sustentabilidade nos sistemas alimentares. Embora elas já tenham demonstrado eficácia e a indústria agrícola trabalhe ininterruptamente para aumentar sua segurança e reduzir possíveis impactos no meio ambiente, uma abordagem dicotômica e de curto prazo pode vê-las como inimigas.

Um evento recente ilustra esse fenômeno e chama a atenção para uma armadilha na qual o mundo não pode cair (porque talvez não haja chance de tentar de novo). O Sri Lanka, país insular do sul da Ásia, famoso pela produção de chá e de diversos alimentos, vive hoje uma crise social, política e econômica que se deve, entre outros fatores, ao banimento do uso de fertilizantes e pesticidas químicos em abril de 2020. De lá para cá, a produtividade do chá cingalês caiu pela metade e o mesmo aconteceu com o milho. As reduções foram de 30% para coco e de 35% para o arroz. No caso desse cereal, o país, que antes era autossuficiente e exportador, passou a importar US$450 milhões de arroz. Atualmente a restrição já foi revertida, mas não a tempo de evitar as quedas nas colheitas e também a queda do governo que propôs a medida.

Por conta dos fertilizantes e pesticidas é possível produzir mais comida em menos área, o que é crítico para agricultores de menor porte e para países em desenvolvimento, precisamente o caso do Sri Lanka. Ainda que as políticas sobre o uso dessas ferramentas possam melhorar, esse episódio mostra os inegáveis benefícios que elas trazem para os sistemas agrícolas. Mais do que isso, escancara o equívoco de forçar uma transição súbita – neste caso, literalmente da noite para o dia – deixando produtores e tecnologias comprovadamente eficientes para trás. Qualquer decisão que interfira em um setor tão vital quanto a agricultura, mesmo que seja por razões nobres, deve pesar o impacto dela contra consequências como diminuição nos volumes de comida disponíveis, perda de renda, redução das exportações, aumento de área plantada – e possivelmente desmatamento – e crise generalizada.

Isso dito, tudo pode ser aperfeiçoado. O exemplo do Sri Lanka não quer dizer que é impossível melhorar a maneira como produzimos, comercializamos e consumimos alimentos. É um lembrete que isso deve ser feito observando a amplitude e a sofisticação de uma economia globalizada e pesando fatores econômicos, políticos, sociais e, sem dúvida, ambientais. O povo cingalês e a população crescente do mundo merecem e, sobretudo, precisam de um futuro próspero e sustentável. Para tanto, os arcabouços regulatórios precisam ser fortalecidos e as tecnologias que aumentam a produtividade precisam ser vistas como parte da solução, não do problema.

*Christian Lohbauer é presidente executivo da CropLife Brasil

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