COLUNISTAS
Processo de registro de defensivos agrícolas do Brasil tende a ser cada vez mais caótico
A legislação brasileira – assim como a da maioria dos países, em especial os mais desenvolvidos – determina que um defensivo agrícola só pode ser produzido, exportado, importado, comercializado e utilizado se tiver sido previamente registrado em um órgão federal específico. A lei que rege o tema versa ainda sobre a pesquisa, a experimentação, embalagem e rotulagem, transporte, armazenamento, propaganda comercial, destino dos resíduos e embalagens, classificação, controle, inspeção e fiscalização dos produtos.
Como o país é signatário de diversos tratados internacionais e grande exportador de alimentos e fibras, o processo de obtenção de registro e condução de testes é alinhado ao adotado nos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), uma organização econômica intergovernamental, fundada em 1961, para estimular o progresso econômico e o comércio mundial. Essa entidade, sediada na França, hoje reúne 38 países-membros – as principais economias do mundo.
Para a obtenção de um registro no Brasil, o interessado deve apresentar ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) os dados definidos pela legislação para cada tipo de pleito. Ao analisar os resultados dos testes, os órgãos regulatórios do governo decidem se o produto tem riscos aceitáveis à saúde humana e ao meio ambiente, bem como se possui eficácia e praticabilidade agronômica. Caso um dos órgãos entenda que o produto não está apto ao registro, o pleito é indeferido. Se o pleito for deferido pelos três órgãos, cabe ao Mapa emitir o certificado de registro.
Para os produtos químicos, além do registro do produto formulado (aquele que será comercializado), o interessado deve obter o registro de um produto técnico (destinado ao uso industrial, com alta teor de pureza) que será utilizado na composição do produto formulado.
Todos os testes devem ser conduzidos de acordo com as boas práticas e normas também definidas em legislação. Além disso, o Brasil adota o chamado critério da equivalência entre produtos técnicos de países-membros da OCDE, o que dispensa a apresentação de dossiê completo em todos os pleitos de registro de produtos técnicos envolvendo essas nações, bem como dos testes de eficácia e resíduos nos produtos formulados que utilizem produtos técnicos equivalentes, conhecidos popularmente como “genéricos”.
E o processo não para por aí. Para ser comercializado, o produto ainda precisa ser cadastrado nos estados brasileiros. A etapa de cadastramento não é prevista pela legislação federal, mas é prevista em legislações estaduais de quase todos as unidades da federação.
De acordo com dados elaborados pela Spark Consultoria Estratégica para o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg) com base em dados do Mapa, o processo de registro de um produto químico no Brasil tem levado, de 5,7 anos (caso dos produtos equivalentes) a, 7,7 anos (situação dos produtos à base de ingredientes ativos ainda não registrados no Brasil). Já o registro de produtos biológicos tem sido obtido, em média, 1 ano após a submissão do pleito.
Se o cenário atual não é dos mais favoráveis em relação ao tempo para a obtenção de registros, a projeção de cenário futuro é ainda mais preocupante para os produtos equivalentes.
Tabela 1: Projeção de tempo para a obtenção de registros com base no ritmo de análises em 2020 para PTE (Produto Técnico Equivalente), PFE (Produto Formulado Equivalente), PTN (Produto Técnico Novo) e PFN (Produto Formulado Novo).
Tipo de pleito | Tempo atual para registros1 | Pleitos na Fila2 | Análises em 20203 | Projeção futura |
PTE | 3,7 anos | 1.318 produtos | 135 pleitos | 9,76 anos |
PFE | 5,7 anos | 1.673 produtos | 243 pleitos | 6,88 anos |
PTN | 7,7 anos | 30 produtos | 6 pleitos | 5 anos |
PFN | 6,5 anos | 125 produtos | 37 pleitos | 3,38 anos |
Fonte: 1Spark para Sindiveg; 2 Anvisa (18/09/2021); 3 MAPA
Outro fator a ser notado é que, apesar do aumento no ritmo de análises que saíram de um patamar de 180 registros concedidos, desde 2016, aos aproximadamente 500 pleitos em 2021, as filas têm aumentado ainda mais nos últimos anos. Apenas em 2020, foram solicitados 1.083 pedidos de registro. Em 2021, de janeiro a agosto, foram 576. Contudo, nos respectivos anos, só foram concedidos 493 e 351 pleitos.
Assim, como a submissão de pleitos não pode ser controlada por qualquer órgão de governo, uma vez que é do direito de um interessado solicitar o registro – desde que pague as taxas e sejam submetidos os documentos adequados, o cenário de registros do Brasil tende a ser cada vez mais caótico.
É notável que ao longo dos últimos anos, os órgãos têm adotado medidas que aumentam a celeridade na análise de pleitos, sem perda de qualidade regulatória. Uma delas é a priorização da análise de alguns pleitos mediante o atendimento a critérios como a indicação para as culturas e pragas consideradas de maior importância econômica para o Brasil.
O Sindiveg considera importante que a industrialização (fabricação e formulação) em território nacional seja considerada um dos critérios no estabelecimento de prioridades na próxima listagem. O Brasil é grande importador de defensivos agrícolas, com déficit na balança comercial da ordem de US$ 5 bilhões, em 2019. No mesmo ano, entretanto, as indústrias operaram com 61% de ociosidade, em média, em relação à capacidade produtiva de produtos formulados.
Trata-se de uma situação delicada que precisa ser corrigida para estimular o desenvolvimento de um parque fabril de síntese e formulação e reduzir a vulnerabilidade do país. Com investimentos e melhorias regulatórias, o Brasil tem condições de deixar de ser um importador de produtos para ser um exportador. Ressalte-se que, ao discutir a produção local, não está sendo debatida a justa e livre oferta de produtos fabricados no exterior. Trata-se apenas de um arrazoado sobre a permanência no mercado e o crescimento de empresas já instaladas no Brasil e, também, sobre o estímulo para que investidores estrangeiros tenham segurança jurídica para realizar investimentos em parques fabris no Brasil.
Além do estimulo à industrialização nacional, o Sindiveg considera de suma importância a previsibilidade e a redução de prazos para análise e padronização de critérios de análise de pleitos; a adoção de medidas de otimização regulatória; e a transparência, isonomia e fortalecimento das decisões tomadas nos órgãos federais.
O Sindiveg, entidade sindical que representa legalmente a indústria de produtos para defesa vegetal no Brasil há 80 anos e que, atualmente, representa, aproximadamente, 40% do mercado e reúne 27 empresas associadas, voltadas a pesquisa e desenvolvimento (P&D) e produtos pós-patente, distribuídas pelos diversos estados do país, têm participado ativamente do processo de melhoria do processo regulatório. Para tanto, cada vez mais trabalha para unir empresas e órgãos de governo em um processo de discussão madura e colaborativa, em prol do interesse comum.
Se você quiser conhecer mais sobre o nosso trabalho, acesse www.sindiveg.org.br ou entre em contato pelo sindiveg@sindiveg.org.br
Fábio Kagi, gerente de assuntos regulatórios do Sindiveg
Fábio Kagi é engenheiro agrônomo pela Universidade Estadual Paulista (Unesp) com MBA em gestão estratégica e econômica de projetos pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), é gerente de assuntos regulatórios do Sindiveg.